América Latina

Oi, viva o
terceiro setor!

Número de voluntários nunca cresceu tanto na região.


Daniel Gatti


Ninguém tem idéia de quantos são os voluntários latino-americanos que hoje engrossam as filas de entidades filantrópicas de todos os tipos, tamanhos e cores. O que se sabe é que nunca foram tantos. Isso acontece no exato momento em que os governos, seguidores do neoliberalismo, retiram sempre mais o Estado do cenário social.

Para o pesquisador mexicano Luis Aguilar, está surgindo "um espaço social autônomo e intermediário em relação ao Estado e ao mercado, capaz de influir tanto na área política quanto na econômica". É o chamado "terceiro setor", integrado por associações de voluntários com vocação filantrópica.


Tapando buraco – A historiadora uruguaia Graciela Sapriza estudou o assunto, a pedido do Instituto de Comunicação e Desenvolvimento (ICD) de seu país, e concluiu que já não é o desejo de "fazer caridade" que move o voluntário nos dias de hoje. Mais capacitado que o do passado, o voluntário dos anos 90 "está se transformando em agente de desenvolvimento social".

"É como se tivesse havido um deslocamento da militância política em direção a esse tipo de trabalho mais direto, que revaloriza o contato humano", afirma Sapriza.

Os estudiosos consideram que o auge desses movimentos está ligado a um fenômeno de tipo negativo: o desmantelamento do Estado e a retirada dos poderes públicos da área social.

O terceiro setor está tapando esse buraco – sustenta outro mexicano, Fernando Castro y Castro. A ponto de o Banco Mundial e outros organismos financeiros internacionais terem decidido incluir o financiamento a organizações não-governamentais (ONGs) em seus orçamentos.


Espaço na mídia – São mais de 4.200 as associações civis argentinas que integram o Centro Nacional de Organizações da Comunidade, ligadas entre si pela chamada Rede Eletrônica de Intercâmbios.

Em 1997, foi criada uma Rede Solidária para articular a ação de voluntários que cuidam de reclamações urgentes dos mais diferentes tipos, recorda Andrés Thompson, diretor da revista Tercer Sector. A rede "conseguiu satisfazer a demandas incríveis, como medicamentos contra o câncer, cirurgias de emergência e doação de órgãos".

O sucesso foi ainda maior, porque também conseguiu introduzir o tema em meios de comunicação de alcance nacional, conquistando um "espaço que garante a expansão dessa solidariedade". Desde o ano passado, canais de TV a cabo e aberta da Argentina têm programas especiais para as atividades do terceiro setor.


Do Uruguai ao México – São pelo menos 100 mil os uruguaios que trabalham regularmente na área do voluntariado, em quase mil ONGs, num país com pouco mais de 3,1 milhões de habitantes.

Os dados são do ICD, que centrou sua pesquisa nas quatorze principais ONGs de nível nacional, tanto as de origem local como as filiais de associações estrangeiras (Cruz Vermelha, Cáritas, Anistia Internacional, Escoteiros).

Na Argentina e Uruguai, países em que até pouco tempo atrás era forte a tradição de se esperar tudo do governo, fazem sucesso as redes que trocam produtos e serviços, sem precisar de dinheiro.

No México, segundo Castro y Castro, desde o início dos anos 90, o terceiro setor encabeça as principais cobranças de uma política social ao governo.

Uma questão como a dos direitos humanos é considerada de responsabilidade exclusiva da sociedade civil, explica a educadora popular uruguaia Martha Agunín, colega de Sapriza e co-autora da pesquisa do ICD. Cabe à sociedade civil a tarefa de controlar o poder político.


"Idéia perigosa" – O sociólogo argentino Eliseo Verón não deixa de ver um problema na multiplicação das ONGs. O risco, segundo ele, é que se produza um "divórcio entre essas associações e as instituições da democracia".

É como se o terceiro setor se especializasse em determinados campos, movido pela convicção de que "não há nada que esperar" da esfera política.

Para Verón, a idéia é perigosa: "Com isso, pode-se chegar a pensar que a questão da solidariedade e da ajuda humanitária esteja fora do campo específico da política".

É preciso "repensar a democracia" a partir dessas ações de solidariedade, sugere Verón.

"Isso significa que, mesmo sendo chamadas por muitos de não-governamentais, as ações das organizações consagradas à solidariedade são ações políticas, no sentido mais nobre do termo." – IPS


Brasil tem lei

Brasília (AGESTADO, 18/2/98) – O presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei sobre o serviço voluntário, que define como tal a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou por instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social. Pela nova lei, o serviço voluntário não gera vínculo empregatício nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim.
A lei é considerada "um avanço significativo" pelo Conselho da Comunidade Solidária, responsável pelo Programa Voluntários, lançado oficialmente em novembro passado.