Sínodo para a Ásia

Caminhos
do coração

Um sínodo de cara ocidental seria um fracasso, avisam os bispos japoneses.


Heitor Frisotti


Com o Sínodo para a Ásia, entre os dias 19 de abril e 14 de maio, a Igreja católica vence mais uma etapa no caminho rumo ao Jubileu do ano 2000. É a terceira de um conjunto de consultas aos episcopados do mundo inteiro, que começou em 1994 com o Sínodo para a África.

Em 1997 foi a vez do Sínodo para a América. De 22 de novembro a 12 de dezembro deste ano, sempre em Roma, reúnem-se os bispos da Oceania. Fica faltando o Sínodo para a Europa, previsto para o segundo semestre de 1999. Um último sínodo, dessa vez geral, acontecerá no ano 2000.

Sobre a Ásia fala-se muito ultimamente: o gigante econômico Japão, o mercado emergente da China e os percalços financeiros dos famosos Tigres Asiáticos, principalmente a Indonésia e a Coréia do Sul.


Mundo diferente – Mas a Ásia não é só isso. São centenas de milhões os pobres e miseráveis. Também ameaçam a paz e a integridade política do continente os conflitos étnicos, a permanência de regimes autoritários, a instabilidade da região do Golfo Pérsico e os graves desequilíbrios ecológicos.

A Igreja católica não costuma levar vida fácil em várias partes do continente. Chega a ser perseguida em países de maioria islâmica, é praticamente clandestina na China e se vê interpelada pelas grandes massas de empobrecidos e pela violação dos direitos humanos em muitos cantos.

Os católicos constituem uma pequena minoria em quase todos os países, em que predominam religiões e culturas muito diferentes do cristianismo e da cultura ocidental.

Não são de estranhar, portanto, algumas das reações ao primeiro texto em preparação ao sínodo – os Lineamenta –, feito em Roma e publicado em setembro de 96.

No Japão, depois de se ter gasto uns três meses só para se obter uma tradução mais ou menos legível, surge uma grande decepção quando o texto finalmente é distribuído para as dioceses e grupos cristãos: não havia como responder ao questionário que vinha junto.

As perguntas tinham sido formuladas "no contexto da Igreja do Ocidente". Eram perguntas nascidas de um mundo e de uma maneira de pensar muito distantes da cultura e da vida católica no Japão.


"Tomar cuidado" – Nessa mesma linha, outros questionamentos foram levantados. Por exemplo: por que eleger somente o inglês e o francês como línguas oficiais do sínodo, quando pelo menos quarenta conferências episcopais asiáticas não os utilizam? Como ficaria a situação dos bispos que não dominam nenhuma das línguas européias?

Era preciso tomar cuidado, alertava o episcopado japonês: um sínodo celebrado à maneira ocidental, como os demais, poderia resultar num fracasso, e não apenas por um problema de comunicação.

Na avaliação dos bispos japoneses, os Lineamenta e questionário pareciam ter saído do escritório central de uma empresa que exige prestação de contas às suas filiais. A visão é "muito romana". Para ser bem feita, eles sugerem, a reflexão sobre os caminhos da evangelização no continente deve ter como ponto de partida a própria Ásia, e não a Europa.


Falar ao coração – Num documento de doze páginas, publicado em julho de 97, a conferência episcopal japonesa pede atenção ao caminho das Igrejas na Ásia e aos documentos da Federação das Conferências Episcopais da Ásia (FABC)

Os bispos querem mais colegialidade e menos centralização. Reivindicam confiança no trabalho de inculturação e respeito às decisões tomadas pela Igreja no Japão. Sugerem que se dê atenção para a opressão e o sofrimento da mulher.

Querem uma teologia menos apologética, "na defensiva". Uma teologia asiática deve mostrar um Cristo, Caminho e Vida, que fala ao coração das pessoas, no dia-a-dia, e não só à cabeça. Este deveria ser um dos temas centrais do sínodo, na opinião dos bispos japoneses.

Há outros temas importantes: um novo modo de evangelizar mais ligado à espiritualidade que à especulação abstrata, uma liturgia que sabe aproveitar a capacidade celebrativa da própria cultura e, ainda, o compromisso da Igreja com problemas concretos, na soliariedade para com os pobres.


Ásia em números

  • Aproximadamente 3,5 dos 5,6 bilhões de habitantes do planeta vivem na Ásia.
  • Os cristãos, quando muito, chegam a 4% da população, e, sozinhos, os católicos somam menos de 3%.
  • Com cerca de 57 milhões de católicos, um único país, as Filipinas, possui mais da metade dos católicos de todo o continente (mais ou menos 101 milhões).
  • A presença cristã não chega a 1%, ou passa muito pouco disso, na maioria dos países, incluídos os gigantes China (mais de 1,2 bilhões de habitantes, o país mais populoso do mundo) e Índia (900 milhões, o segundo mais populoso).
  • A Ásia é o berço das grandes religiões da humanidade: hinduísmo, budismo, confucionismo, taoísmo, shintoísmo, cristianismo e islamismo.
  • Hinduísmo, budismo e islamismo, as três maiores religiões do continente, têm juntos mais de 1,6 bilhão de seguidores.


Jeito asiático –Também os bispos das Filipinas, em suas respostas ao questionário, pediram maior atenção às situações e ao jeito asiático de fazer as coisas. Querem "um sínodo verdadeiramente asiático, com uma reflexão asiática e na perspectiva asiática de evangelização".

Com 57 milhões de católicos, as Filipinas possuem mais da metade do total de católicos de todo o continente (cerca de 101 milhões).

Questões como inculturação, diálogo inter-religioso e diálogo com os pobres jamais poderiam ficar de fora das preocupações do sínodo, na visão dos bispos filipinos. Além disso, a avaliação deveria ser feita na ótica do Concílio Vaticano II e da colegialidade entre as Igrejas particulares.

Os temas da inculturação, do diálogo inter-religioso, dos profundos desequilíbrios sociais e, principalmente, de "uma evangelização que chegue ao coração das pessoas", também foram destacados pelos episcopados da Índia e da Tailândia.

Os bispos tailandeses disseram que a "evangelização deve testemunhar a compaixão ilimitada de Jesus, o respeito às tradições religiosas e o desejo profundo da paz".


Mudanças em Roma – Os protestos e questionamentos chegaram até Roma e parece que deram resultado. Segundo observadores, o Documento de Trabalho para o sínodo, publicado no começo deste ano, ficou bem diferente dos Lineamenta.

Muitas das críticas foram levadas em conta na preparação do novo texto (veja quadro). Agora, por exemplo, a visão do mundo asiático não é tão negativa como antes. Fala-se também dos sinais de esperança.

Há algo de incomum nessas mudanças. Os documentos dos sínodos para a América e a África não puderam contar com a mesma atenção. Parece que a Ásia esteja recebendo tratamento especial.

Não é o único passo a apontar para uma maior distensão em relação às Igrejas asiáticas. Outro sinal de abertura foi a revogação da excomunhão de um dos maiores teólogos do continente, Tyssa Balasuriya, um sacerdote do Sri Lanka (veja quadro).

A esperança é que essa atitude de maior diálogo, de colegialidade e de atenção aos pobres e aos mundos culturais diferentes esteja presente no sínodo. E também na caminhada de todas as Igrejas na Ásia.



Algo mudou

A leitura dos Lineamenta deixava a impressão de uma desconfiança de Roma em relação às Igrejas na Ásia. Era como se elas recebessem um puxão de orelhas por serem consideradas tímidas no anúncio do Evangelho e de Jesus Cristo. A teologia que está por trás dos Lineamenta possui um tom que soa agressivo aos ouvidos de quem não é católico. Daí as queixas de alguns episcopados, no sentido de que não é possível proclamar que Cristo é o único salvador com base apenas em afirmações de princípios de uma teologia e mentalidade ocidentais.
O risco maior não é o de as pessoas não entenderem, advertem os bispos, e sim um outro: o de não quererem mais ouvir e deixar a sós a pessoa que anuncia, por causa de atitudes interpretadas como "arrogantes".
O Documento de Trabalho leva mais em conta as diferenças de contextos e a necessidade de diálogo. A teologia é mais próxima à do Concílio Vaticano II, que fala da Igreja como povo de Deus. A ação evangelizadora é descrita como testemunho, vivência litúrgica, enraizamento na Palavra de Deus e profunda experiência espiritual.
Abandona-se uma mentalidade muito clerical, para colocar em primeiro lugar, entre os agentes da evangelização, os leigos, as famílias e os jovens.
É dado um destaque muito maior à oração, ao diálogo inter-religioso, à inculturação e à promoção humana, alicerçada no "amor preferencial aos pobres". Atenção maior recebem também as questões da ecologia e dos meios de comunicação social. – H.F.


Boa notícia

Um ano após a excomunhão a que tinha sido condenado o teólogo cingalês Tyssa Balasuriya, o arcebispo de Colombo, a capital do Sri Lanka, anunciou, em 15 de janeiro passado, a reconciliação esperada.

Balasuriya voltou a fazer a profissão de fé segundo o Credo de Paulo VI – o mesmo que tinha professado em dezembro de 96 e que fora considerado insuficiente pelo dicastério romano – e publicou uma declaração em que reconhece os problemas criados por seu livro Maria e a libertação humana.

"Reconheço que nos meus escritos foram percebidos erros doutrinários e sérias ambigüidades, que provocaram reações negativas, viciaram as relações e conduziram a uma infeliz polarização na comunidade eclesial", escreve Balasuriya. "Sinto profundamente por todos os danos que isso tem provocado."

A reconciliação foi acolhida com grande alegria, sendo considerada em ambientes católicos como mais um passo de distensão frente a alguns episcopados asiáticos que tinham manifestado discordância em relação ao modo "como se resolvem as coisas em Roma".

Outros fatores, contudo, influenciaram a decisão do Vaticano. Entre eles, o grande trabalho de mediação feito pelo padre Marcello Zago, superior geral da Congregação dos Oblatos de Maria Imaculada, à qual pertence Balasuriya, congregação essa com uma notável presença missionária na Ásia. Não menos importantes foram as manifestações de protesto contra a excomunhão, bem como de apoio e solidariedade a Balasuriya, que chegaram a Roma, vindas de um sem-número de teólogos, grupos e instituições cristãs do mundo inteiro.

A revogação da excomunhão representa um passo pouco comum no mundo vaticano. O teólogo estadunidense Charles Curran, cujos escritos foram condenados em 1986, lembra que é a primeira vez que "Roma volta atrás, tão rapidamente e em público". Segundo ele, "era tudo tão manifestamente injusto e chocante que os membros da Cúria Romana devem ter percebido que tinham cometido um erro". – H.F.