Etiópia

Lama
vale dinheiro

Muita fantasia e um monte de problemas numa grande mina de extração de ouro.


Texto e fotos: Joe Vieira – Comboni Press


Faz tempo que Shakisso deixou de ser apenas um povoado do Sul da Etiópia para se transformar numa palavra mágica, que acende o brilho nos olhos dos habitantes da região. O motivo: o ouro ali existente.

É intensa a peregrinação de homens, mulheres e crianças pelas redondezas. Chegam em busca de algum dinheiro extra para pagar dívidas, multas, taxas escolares, dotes, remédios... Ou para comprar roupas novas, um toca-fitas, um relógio e até mesmo um fuzil Kalashnikov.

A febre do ouro fez de Shakisso uma verdadeira Babel de línguas e grupos étnicos diferentes, garimpeiros, contrabandistas, negociantes, prostitutas, soldados e policiais.


Tecnologia russa – O governo etíope explora a mina há mais de cinqüenta anos. Ali, no passado, trabalhavam prisioneiros e miseráveis de todo tipo.

De 1990 para cá, o cenário se modificou. Graças à tecnologia russa, Shakisso se transformou num grande centro de extração de ouro, de onde saem anualmente pelo menos três toneladas do precioso metal.

Em julho do ano passado, seguindo os ventos que sopram hoje no país, a mina foi aberta à participação do capital privado. Treze empresas, nacionais e estrangeiras, participaram do leilão. E não é pouco o que estava sendo negociado: a mina, a céu aberto, cobre uma área de 85 quilômetros quadrados.

São imensas as máquinas que escavam lentamente o topo do monte. Uma grande quantidade de trituradoras processa em seguida todo o minério, no ritmo de até 150 toneladas por hora. Tudo acaba virando areia.

O minério triturado passa então por uns canos e vai parar sobre umas lajes gigantes, feitas de pedra. Com o auxílio de água, começa o processo de separação.


Vestígios de mercúrio – Depois vem a fase do processo químico. A pasta obtida com a lavagem do minério passa por um sistema de reservatórios gigantes, contendo cianina, cal e água. Mais pesadas, as pepitas de ouro ficam depositadas no fundo dos tanques, sendo absorvidas por carvão poroso.

Ainda não é o fim. Precisa usar mercúrio para separar o ouro das impurezas que restam. Fundido em barras, o ouro é então levado pra Adis-Abeba, a capital da Etiópia. Em média, é necessário uma tonelada de minério para se obter três gramas de ouro.

Um jovem engenheiro que acompanha todo o processo garante que a tecnologia usada em Shakisso é limpa e sustentável do ponto de vista ecológico. Ele explica que os resíduos são armazenados em lugar seguro e que a água é tratada e devolvida limpa ao rio Hawata.

Não parece ser bem assim. Vestígios de mercúrio – substância extremamente venenosa – podem ser vistos brilhando no fundo de algumas lagoas dos arredores. E um senhor de idade garante que acontece de as vacas morrerem quando bebem da água que vem da mina.


Vida de garimpeiro – Fora da área da mina administrada pelo governo, o cenário é muito diferente, e bem mais chocante. Do nascer ao pôr do sol, milhares de homens, mulheres e crianças cavam, peneiram e lavam terra, na procura desesperada por alguma partícula de ouro.

Os garimpeiros vêm de tudo quanto é lugar. Pagam uma taxa para cavar a terra e prometem que irão vender o ouro encontrado aos funcionários do governo. Ainda assim, segundo dados do próprio governo, todo ano duas ou três toneladas de ouro de Shakisso são contrabandeadas para Adis-Abeba ou para o Quênia.

Com alguma sorte, um garimpeiro consegue voltar para casa com algum dinheiro depois de três ou quatro semanas de trabalho. Durante esse tempo, terá que se sujeitar a passar as noites na floresta e a dormir debaixo de árvores, exposto a cobras, mosquitos e à malária.

A comida é pobre e escassa. As muitas horas de trabalho pesado, dentro da água, enfraquecem o corpo e o tornam vulnerável a todos os tipos de doenças. Não é raro que ocorram desmoronamentos, deixando mortos e feridos.


Volta para casa – No círculo vicioso criado pelo ouro, o dinheiro ganho acaba sendo gasto com bebida, comida e sexo. O resultado é que a estadia tende a se prolongar sempre mais.

Quando o garimpeiro eventualmente decide voltar para casa com algum dinheiro, roupa nova, sapato, toca-fita, relógio ou fuzil, muito provavelmente leva junto malária e doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a Aids, que transmitem a suas mulheres.

As mulheres, enquanto seus homens e filhos maiores se encontram em Shakisso, têm que cuidar das crianças, da casa, da roça e do gado. Quando os têm de volta, ainda acabam pagando caro pelas aventuras sexuais de seus companheiros.

A constante gravidez e outros problemas relacionados com a maternidade enfraquecem seus corpos, e elas facilmente caem vítimas da Aids.

Dos tempos de Salomão

A República Democrática Federal da Etiópia, ex-Abissínia, capital Adis-Abeba, localizada no leste da África, é um dos países mais antigos do mundo e a nação da África independente há mais tempo.
O país evitou a colonização européia, exceto durante um período de apenas cinco anos, durante a Segunda Guerra Mundial, em que foi ocupado pelos italianos.
A população, em 1996, era de 56,2 milhões de habitantes. O idioma amárico é o oficial, mas também se fala inglês, árabe e línguas locais.
O cristianismo (ortodoxos etíopes) é a religião de mais da metade da população (57%), seguido pelo islamismo (31,4%), segundo dados de 1980, que incluíam também a Eritréia, ex-província etíope.
Segundo a tradição, a dinastia etíope é fundada no ano 1000 a.C. por Menelik I, filho do rei Salomão e da rainha de Sabá. O cristianismo é introduzido pelos coptas, procedentes do Egito, e torna-se a religião predominante no século 4º.
A Etiópia resiste às invasões árabes, no século 7º, à chegada de missionários católicos portugueses, no século 15, e a uma tentativa de colonização italiana, no século 19.
FONTE: ALMANAQUE ABRIL 97