Carta das Comunidades Periféricas
Os participantes do I SEMINÁRIO SOBRE A SITUAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA PERIFERIA DE SALVADOR, realizado nos dias 16 a 18 de outubro de 1996, no Centro do Menor João Paulo II, com a presença de 150 participantes e 74 entidades, com o objetivo de criar e fortalecer as relações entre as entidades públicas e comunitárias, encaminham esta carta a toda sociedade civil e aos poderes instituídos, mediante diagnóstico da realidade e avaliação das ações que estão sendo desenvolvidas, conclamam iniciativas na construção das políticas sociais básicas para consolidação da cidadania.
Respaldados pelo artigo 227 da Constituição Federal, regulamentado pelo ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei no 8.069/90, que determina: "é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à crianças e adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão", e considerando:
- que a maioria dos meninos e meninas de rua da cidade do Salvador são originários das comunidades periféricas e que faltam políticas sociais básicas para garantir a proteção integral aos mesmos nesses bairros;
- o alto índice de crianças e adolescentes que não têm acesso à escola, nem ensino de qualidade e, aliado a isso, um elevado nível de evasão e repetência escolar decorrente da falta de implementação de uma política educacional que atenda às reais necessidades;
- as várias formas de violência a que são expostas as nossas crianças e adolescentes sobretudo na periferia;
- as necessidades básicas diárias e as violências sofridas que levam as crianças e adolescentes para as ruas;
- a falta de uma política social que incentive o aumento da renda familiar;
- a desordenada ocupação do solo que incentiva o aumento sempre maior das favelas;
- o aumento do abuso, da violência e da exploração sexual infanto-juvenil, que vitimiza sobretudo crianças e adolescentes da periferia;
- o crescente número de homicídios praticados contra crianças e adolescentes, inclusive por grupos de extermínio;
- o aumento de adolescentes infratores por falta de garantia dos seus direitos fundamentais;
- o despreparo da própria policia em ajudar a manter a ordem e a tranqüilidade dos cidadãos, praticando atos de violência contra as pessoas;
- o difícil acesso à Justiça e a demora na conclusão dos processos, aumentando impunidade.
Frente a estas constatações, propõem aos poderes públicos, ao Senhor Governador do Estado, ao Senhores Prefeitos de Salvador, em exercício e eleito, e à sociedade civil organizada (entidades, associações, sindicatos, igrejas e outros):
- a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, através:
- fortalecimento dos Conselhos de Direito da Criança e do Adolescente Estadual (CECA) e Municipal (CMDCA) e dos Conselhos Tutelares, com a melhoria das condições de funcionamento dos já instalados;
- efetivação do Fundo Municipal e Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente;
- criação de uma política de segurança pública para combater eficazmente a violência na cidade de Salvador, inibindo a ação dos grupos de extermínio;
- criação de uma política habitacional voltada para as classes populares;
- elaboração e viabilização de políticas educacionais que garantam o acesso e a permanência das crianças nas escolas;
- reconhecimento, valorização e apoio às escolas comunitárias em funcionamento na periferia de Salvador;
- criação de escolas nos locais mais carentes dos bairros da periferia, que atendam inclusive ao pre-escolar e alfabetização;
- inclusão nos currículos escolares de primeiro e segundo grau o ensino religioso e educação para a cidadania;
- implementação e execução das políticas públicas federais que garantam bolsa mínima que possa assegurar a sobrevivência da família e liberar a criança para a escola;
- estabelecer parcerias entre as entidades não-governamentais e as governamentais de forma a articular uma ação em conjunto na periferia;
- criar cursos de formação e capacitação para as entidades sobre o ECA, políticas públicas e captação de recursos;
- criar cursos de formação e capacitação para os policiais sobre direitos humanos e educação para cidadania;
- orientação e apoio socio-familiar visando o fortalecimento da família;
- criação de delegacias especializadas da infância e da juventude na periferia;
- instrumentalizar a Segunda Vara Criminal da Infância e da Juventude para poder processar, julgar e aplicar as medidas socio-educativas aos adolescentes, autores de atos infracionais;
- ampliar e melhorar as condições para a aplicação das medidas socio-educativas para que haja uma reintegração e resocialização dos adolescentes, autores de atos infracionais, na família e na sociedade;
- ampliação de centros profissionalizantes para adolescentes e garantia de acesso ao mercado de trabalho;
- apoio dos meios de comunicação à divulgação e fortalecimento dos trabalhos realizados pelas entidades na periferia na busca da garantia dos direitos da população e facilitando o acesso à denúncia contra as violências.
Os participantes conclamam pela adoção de medidas a curto, médio e longo prazo, para garantia do compromisso e responsabilidade dos poderes públicos constituídos, a nível municipal, estadual e federal, no cumprimento do seu papel com toda a sociedade, e especialmente na construção da cidadania das crianças e dos adolescentes, visando a consolidação de uma sociedade democrática, justa e solidária.
PROJETO AGATA ESMERALDA
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