E viva Conselheiro!
Paixão e morte em Canudos

Nunca se falou tanto, na Bahia e mundo afora, sobre a guerra de Canudos. Nas escolas de crianças, de adultos e nas faculdades. Em todos os lugares.

Bem chegada seja essa hora, depois de tantos anos de silêncio sobre o mais bárbaro massacre de brasileiros contra brasileiros.

Em 5 de outubro, agora, portanto, serão comemorados os 100 anos da destruição do povoado criado por Antônio Conselheiro na mais dura caatinga da Bahia. Lugar onde o sol esquenta tanto a orelha do sertanejo que nela se pode acender um cigarro de palha. Onde criança cresce sem saber o que é chuva. Onde comida é quase obra do acaso.

Pois nesse lugar viviam cerca de 25 mil habitantes, entre 1893 e 1897, constituindo-se na segunda maior cidade baiana na época.

Gente que saiu de outras partes da imensa caatinga para seguir Conselheiro. Construíram um lugar de harmonia: trabalhavam e rezavam. Fincaram seus barracos na beira do rio Vaza Barris. Gente que fugia da miséria e da fome ali encontrava o que comer, o que repartir e o que sonhar. Dinheiro não existia entre eles. Um ajudava o outro.

Era o sonho em plena caatinga, fazendo brotar a paixão por Conselheiro. Mas, pobres e miseráveis, foram logo condenados à morte. Conselheiro não   gostou da implantação da República e pregava contra ela (ele admirava a monarquia). Não aceitou a cobrança de impostos pelo novo governo.

A igreja comprou briga com ele, pois era a ele que o povo seguia e acreditava. Os padres pediram ao governo para acabar com aquilo. Os "coronéis" também já não estavam gostando nada: ninguém mais queria trabalhar nas fazendas deles, a troco de escravidão. Todos queriam seguir Conselheiro.

Foi então armado o palco da guerra contra gente desarmada, pobre e que apenas queria viver aquele sonho, ainda que na miséria.

O Exército brasileiro preparou-se então para matar aquela gente que até então não merecera de ninguém nenhuma atenção. Só de Conselheiro.

Uma primeira tropa de 107 soldados avançou, mas nem chegou perto do arraial. Debandou depois de muitas mortes. A segunda, com 560 homens, sofreu derrota semelhante. A terceira, idem. O Exército, desmoralizado, queria vingança. Os jornais e a sociedade das capitais também. A burguesia se uniu. Fez-se então a quarta expedição, com mais de 5 mil homens e os mais modernos equipamentos de guerra, inclusive canhões.

Foi uma carnificina. Não ficou pedra sobre pedra. Nem gente. A maioria degolada, inclusive mulheres e crianças. Dizem que também 5 mil soldados morreram.

Ficou apenas o exemplo de dignidade: Canudos caiu de pé. Nenhum conselheirista se entregou. Preferiram a morte. Quando era preso, os soldados exigiam que gritassem "Viva a República". Eles diziam "Viva Conselheiro".

Conselheiro morreu antes da guerra acabar, de desinteria. Os solda dos descobriram seu corpo enterrado na igreja e degolaram sua cabeça, tal como fizeram com Lampião e Tiradentes.

Destruída Canudos, outra ressurgiu. Trataram de colocá-la debaixo das águas do açude de Cocorobó. Mas uma terceira Canudos ressurgiu e é testemunha da grandeza de um povo que fez da dignidade a sua própria história.
 
Canudos continua de pé, a caatinga é a mesma. Ali vive o bicho homem. Tem sede, fome e doença. É forte e teima com a natureza. O cenário é naturalmente de guerra e o governo a tudo assiste, cruelmente, de seus gabinetes. O Exército não aparece para socorrer nem para lavar sua honra coberta de sangue. Os sertanejos continuam lá à espera de um novo sonho. 
(José Sinval, o editor)