- Fonte de guerras no Século XXI
- Escassez, lucro e poder
- O preço do desperdício
- Caminho perigoso
- Brasil nem tcham
- Indústria da seca
- O drama brasileiro
- Política irresponsável
- Declaração Universal dos Direitos da Água
- Bibliografia
Por ser essencial ao homem e ter reservas limitadas, a água é cada vez mais estratégica e tem provocado debates em vários organismos internacionais. Discute-se o seu uso racional, a sua temida e inevitável escassez em várias regiões do mundo e a degradação galopante dos mananciais hídricos, pois dela depende a qualidade de vida no planeta. Não por acaso, o Banco Mundial e um centro de estudos científicos dos Estados Unidos deram recente alerta de que, se o petróleo foi motivo de guerras neste século, no próximo a fonte de conflitos será a água, especialmente em países do Oriente Médio e da África do Norte. O desequilíbrio entre o aumento populacional e a disponibilidade de água nestas regiões já é alarmante. Fonte de guerras no Século XXI
O volume total de água na terra é da ordem de 1,44 bilhão de quilômetros cúbicos, distribuídos da seguinte forma: 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos nos oceanos, 29 milhões nas geleiras e calotas polares, 8,5 milhões no subsolo, 200 mil nos lagos e rios e 13 mil quilômetros cúbicos na atmosfera. Ou seja: de toda a água do planeta, cerca de 97% são de água salgada. Dos 3% de água doce, 2,3% estão armazenados nas geleiras e calotas polares e somente 0,7% é passível de exploração, o que dá cerca de 9 milhões de quilômetros cúbicos de água doce. Em outras palavras: três quartos da superfície do globo são oceanos, o que faz parecer, quando vista de longe, que a Terra é apenas água.
A água se constitui elemento vital para o ecossistema e é básica para o desenvolvimento das diversas atividades humanas. Infelizmente, tem se tornado, progressivamente, escassa tanto em qualidade quanto em quantidade. Como recurso natural limitado, adquire valor econômico e papel estratégico; como recurso ambiental, deve ser preservada e seus mananciais recuperados. Escassez, lucro e poder
Voltando ainda aos números: 97% da água do planeta estão nos mares, portanto salgada, não serve nem para uso industrial. A água mais pura da natureza está nas calotas polares e nas geleiras (2,3% da água do planeta). Está, assim, numa região fria e distante. Os lençóis subterrâneos, lagos, rios e a atmosfera guardam o 0,7% restante e é apenas esta a quantidade disponível ao homem. É aí que se delineia o grande problema de hoje e, sobretudo, do futuro: é pouca água para tanta gente; é lucro certo para quem se tornar dono das reservas.
Somente nos últimos 20 anos, a população mundial aumentou em mais 1 bilhão e 800 milhões de pessoas e este novo contigente diminuiu um terço do suprimento de água do planeta. A necessidade de água cresce mais rápido do que o aumento da população, pois o uso da água não se restringe apenas ao ato de bebê-la, mas de gerar alimentos e produtos industriais. Para atender tanta gente, cavam-se poços e constroem-se barragens. Aliás, existem hoje cerca de 36 mil barragens no mundo, mas o fato é que as novas alternativas para matar a sede da humanidade são cada vez mais caras.
Existe ainda um grande volume de água doce contido em lagos e reservatórios por todo o planeta, mas este diminui a cada ano, sem que ocorram investimentos e ações que minimizem este processo. Em apenas 50 anos, a civilização pós II Grande Guerra conseguiu provocar redução na disponibilidade de água doce em cerca de 62,7% das reservas mundiais. É algo extremamente preocupante. O preço do desperdício
Na América do Sul, esta redução chega a 73% e no continente africano a 75%. Os efeitos disso já podem ser observados nas secas, na erosão dos solos e desertificação dos ecossistemas.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, para sustentar razoavelmente a qualidade de vida é necessária a média de 80 litros/dia por pessoa. Esse consumo varia muito, dependendo da disponibilidade de acesso e aspectos culturais, entre outros.
De acordo com o Jornal Folha de S. Paulo, edição de 7/2/96, nada menos do que 85% de toda a água doce disponível no mundo são utilizados para irrigação, 10% pelas indústrias e apenas 5% para consumo humano. Se considerarmos os 38 milhões de quilômetros cúbicos de água, incluindo as que estão depositadas nas geleiras e calotas polares, teríamos disponível apenas 1,9 milhões de quilômetros cúbicos para o consumo humano. Se considerarmos apenas 9 milhões de quilômetros cúbicos que são possíveis de exploração, teríamos atualmente apenas 450 mil quilômetros cúbicos de água disponível para o consumo humano, o que é muito pouco e mostra o quadro de escassez em todo o planeta. Essa escassez já indica o caminho do lucro a grandes grupos empresariais, especialmente da França, Inglaterra e Espanha, que controlam o abastecimento em vários países do mundo.
Não é à toa que o Banco Mundial tem um projeto principalmente para os países do Terceiro Mundo, de privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário.
Disso se conclui: quem detiver o controle da água do planeta terá condições de ditar as regras. Como a água é fundamental para a vida, por quê não são tomadas providências pelas grandes potências para minimizar o problema? Muito pelo contrário, as contribuem decisivamente para a devastação do planeta e degradação dos mananciais hídricos. Para elas, o que importa é o lucro, não importa o custo da exploração. Pelo menos por enquanto.
No mundo inteiro, o quadro é de escassez e mau uso da água. A escassez é causada pela combinação de crescimento populacional exagerado e inexistência de reservas naturais. A má utilização, o uso irracional e a deterioração da qualidade da água se constituem grandes desafios para países ricos e pobres. Caminho perigoso
Por sinal, poucos são os países onde as reservas são administradas de forma eficiente e responsável. É uma situação alarmante, uma vez que água de má qualidade pode ser fatal. A cada ano as doenças provocadas pela água causam 3 milhões de mortos no mundo, crianças na maioria, e provocam mais de 1 bilhão de enfermidades. Apesar desse problema, pouco se faz para resolver o problema de saneamento, especialmente junto as populações de baixa renda. Dos 5,4 bilhões de habitantes do planeta, mais de 1 bilhão não dispõe de água potável de boa qualidade e 1,7 bilhão não conta com instalações sanitárias decentes.
No ano 2000, das 20 maiores cidades do mundo, nada menos do que 18 vão estar nos países pobres (duas delas no Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro) e nenhuma delas terá água suficiente para atender a população.
No Brasil, o potencial de recursos hídricos significa 53% da reserva da América do Sul e 12% do total mundial. São cerca de 5.604 quilômetros cúbicos/ano, considerando-se somente a contribuição do território brasileiro, e 7.906 se for levada em conta as contribuições de mananciais de outros países integrantes da Bacia Amazônica. Brasil nem tcham
Temos, de fato, a maior bacia fluvial do mundo, porém nossas taxas de desperdício de água são assustadoras, estando estimadas em 40%. A abundância de água esconde a péssima gestão dos recursos hídricos e a enorme quantidade de água ainda disponível não se reverte em benefício da população. A Região Norte, onde fica a maior reserva de água potável do país, é a que detém os piores índices de atendimento da população com serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Exemplos de irresponsabilidade não faltam: 63% dos depósitos de lixo no Brasil estão em rios, lagos e restingas, nos chamados corpos d'água. A Região Norte, onde se encontra a maior reserva de água doce do país, é também a que mais contamina seus recursos hídricos, jogando grande quantidade de agrotóxicos, mercúrio (dos garimpos) e lixo bruto nos rios. A Bahia, quarta economia do país, desperdiça 50% da água produzida, o que daria para abastecer satisfatoriamente 5 milhões dos seus 12,1 milhões de habitantes. Menos da metade (43,7%) tem serviço regular de abastecimento de água.
A má utilização e a degradação dos recursos hídricos já começam a preocupar a sociedade, especialmente entidades ligadas ao setor de saneamento e meio ambiente, devido à inexistência de uma política para o seu gerenciamento e para os usos múltiplos da água. O projeto de lei 2.249/91, que dispõe sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, só agora dá sinais de vida. Foi aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, faltando a aprovação do Congresso e posterior sanção do presidente da República. Desde 91 tramita no Congresso. O seu novo relator, deputado Aroldo Cedraz (Bahia) manteve pontos polêmicos sobre a cobrança pelo uso da água, inclusive para consumo humano.
Alguns estados estão mais adiantados, como São Paulo, que já tem comitês de bacias em funcionamento e possui leis que regulamentam o uso dos recursos hídricos. Em outros estados, como o Ceará, Minas Gerais e Pernambuco, existem leis no mesmo sentido.
A maior escassez de água no Brasil verifica-se no Nordeste e é decorrente da falta de gerenciamento dos recursos hídricos e da crescente degradação da qualidade da água, devido ao lançamento de esgotos nos rios, além da condenável "indústria da seca", isto é, a necessidade de água da população sendo manipulada por políticos e grandes empresários da região. No caso dos políticos, a abertura de poços ou o simples envio de carro-pipa tem de ter, em contrapartida, a garantia do voto. No caso do empresário, ganha na construção desses poços e no pagamento das viagens dos carros-pipa. Mas estes são crimes menores, se podemos dizer assim. O pior é que os dois grupos ganham muito mais dividindo as verbas destinadas pelo governo, ano após ano, para o combate a seca. Com tantas facilidades de criar fortunas, ninguém realmente se interessa em resolver a questão do nordestino. Indústria da seca
Além disso, a construção de açudes e a perfuração de poços na região se dão da forma mais clientelista possível, pois no geral ocorrem em terras dos poderosos, inviabilizando o seu uso pela comunidade.
Para se ter idéia do descalabro, o Nordeste tem uma média de 400mm de chuvas por ano, quatro vezes mais do que as chuvas que ocorrem na Califórnia, um estado americano que existem enormes e bem sucedidos celeiros agrícolas.
Comparado à situação no restante do mundo, o Brasil tem um potencial hídrico relativamente alto, mas isso não reverte em benefício para a população. Segundo dados do IBGE divulgados em 20/3/96, apenas 70,9% da população brasileira dispõem de residências e destas apenas 75% dispõem de água potável e 59% serviço de esgoto. Mais: 70% somente têm coleta de lixo. Baseado nesses dados, e considerando que a população brasileira é estimada em 150 milhões de habitantes, temos o seguinte quadro: O drama brasileiro
- 70 milhões de brasileiros não dispõem de serviço de água;
- 87 milhões não dispõem de serviço de esgotamento sanitário;
- 75 milhões não têm coleta de lixo;
Vejam outros dados:
- 94% dos esgotos no Brasil não são tratados;
- 80% das doenças são decorrentes da falta de saneamento;
- Para cada R$ 1,00 investido em saneamento, o governo economizaria R$ 4,00 em gastos em serviços de saúde.
Entra e sai governo, o saneamento continua relegado a segundo plano. Em janeiro de 1995, três dias após a sua posse, o presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o Projeto de Lei da Câmara, conhecido como PLC 199, que instituía a Política Nacional de Saneamento, resultado de um amplo debate com a sociedade e consenso entre várias entidades representativas do setor. Política irresponsável
Até hoje o país não dispõe de leis que regulamentem as ações de saneamento.
O mais sensível indicador da qualidade de vida é a taxa de mortalidade infantil - que indica o número de crianças que morre antes de completar um ano de vida e a cada mil nascidas vivas. A mortalidade infantil está intimamente ligada aos serviços de saneamento, pois as principais causas de morte entre crianças com menos de um ano de idade são as doenças diarreicas, provocadas pela contaminação da água.
O Brasil, embora seja a oitava economia mundial, apresenta ainda uma taxa elevada de mortalidade infantil - 61 por 1.000. Nesse triste campeonato mundial, o Brasil só perde para os países africanos mais pobres e para alguns da América Latina e da Ásia.
Tudo isso demonstra a necessidade de adoção de uma política de recursos hídricos e de saneamento, articulada com outras políticas públicas de saúde, habitação, desenvolvimento urbano e educação, de forma a ser entendida como uma ação de saúde púbica, somada ao planejamento global da infra-estrutura dos aglomerados populacionais.
Todos esses dados mostram que o Brasil tem um dos mais altos índices de insalubridade ambiental, decorrente da falta de prioridade de sucessivos governos. Afinal, saneamento deveria - e deve - ser entendido como fator de saúde pública, direito do cidadão e dever do estado, pois ele é fundamental para a qualidade de vida do povo.
A presente Declaração Universal dos Direitos da Água foi proclamada tendo como objetivo atingir todos os indivíduos, todos os povos e todas as nações, para que todos os homens, tendo esta Declaração Constantemente presente no espírito, se esforcem, através da educação e do ensino, em desenvolver o respeito aos direitos e obrigações nela anunciados e assim, com medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação efetiva. Declaração Universal dos Direitos da Água
- Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.
- Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado no Art. 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
- Art. 3º - Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.
- Art. 4º - O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam.
- Art. 5º - A água não é somente uma herança de nossos predecessores: ela é sobretudo um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.
- Art. 6º - A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.
- Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada nem poluída nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.
- Art. 8º - A utilização da água implica o respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.
- Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.
- Art. 10º- O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.
Bibliografia
Trabalho elaborado em 20 de março de 1996 e revisto em 5 de outubro do mesmo ano, em comemoração ao Dia Interamericano da Água.
- Revista FOCUS - ISP - Internacional de Serviços Públicos - B.P.9. - 01211 - FERNEY-VOLTAIRE Cedex - França.
- Revista ENFOQUES - Seguridad, Salud e Medio Ambiente - ICEF - Federação Internacional de Sindicatos de Trabalhadores de la Química, de la Energia e Indústrias Diversas - Ave. Emile de Béco, 109, B-1050 - Bruxelas - Bélgica
- IBGE - Dados divulgados em 20/03/96
Caderno de Saneamento Nº 2, Dezembro/93 - FNTIU-Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas- Caderno de Saneamento, Setembro/95 - FNU/CUT - Federação Nacional dos Urbanitários
- CABES XVII - Catálogo Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 92/93 - ABES
- Brasil/DNAEE - Depto. Nacional de Água e Energia Elétrica (1985), Plano Nacional de Recursos Hídricos
- Rebouças, Aldo - Palestra "Água e Desenvolvimento Econômico" - Seminário "Águas, Mananciais e usos, Saneamento e Saúde, Política e Legislação - 18 a 20/10/93 - Goethe Institut e Prefeitura Municipal de Salvador
- Projeto de Lei 2.249/91 - Parecer do deputado relator Aroldo Cedraz - 17/06/96
Habitat 2 - Caderno Especial do Jornal Folha de S. Paulo - 26/05/96.