Jornal mensal da diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti-RJ. |
Natal na paz
- A chegada deste Natal foi marcada pelo surgimento de um sem número de campanhas e iniciativas de assistência aos desvalidos. A violência, porém, ocupa o primeiro lugar nas motivações e preocupações que fundamentam os apelos e as propostas das várias iniciativas, principalmente nas regiões metropolitanas castigadas pelo crime e pela falta de infra-estrutura que garanta condições de vida com dignidade, privacidade e higiene.
vender os produtos necessários à convivência humana e de abrir caminhos ao entendimento e à fraternidade.
- A fome teve algum destaque a partir do Rio de Janeiro, onde se vive de modo mais intenso a ausência e a saudade do Betinho. O Natal Sem Fome que não contou efetivamente com o apoio do empresariado no lançamento da campanha em 1994, neste ano sentiu mais ainda a distância dos mesmos. Pessoas e grupos mais chegados ao Betinho de forma comovente tentaram mobilizar a população para a solidariedade. Alguns artistas ofereceram o prestígio pessoal e os dons de sua arte para alavancar a campanha. Até figuras dos altos escalões da República reverenciaram a memória do Betinho em manifestações que comoveram alguns e causaram dúvida e perplexidade a muitos outros!
- A tentativa de unificar as muitas iniciativas em uma só campanha não surtiu o desejado efeito. Natal na Paz não decolou como era previsto. Mesmo assim, atendendo a uma convocação de velho companheiro das lides e lutas de outrora contra a violência do regime ditatorial, ao lado do amigo Rabino Sobel participei de reuniões articuladas pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos. A princípio, a campanha seria direcionada contra a violência decorrente da bebida em excesso e do trânsito desordenado e irresponsável por ocasião das festas de fim de ano. Num segundo momento, pensamos em um Natal na Paz - sem violência e sem fome. Chegamos mesmo a sonhar com uma campanha contra a violência que se estendesse do período natalino até o primeiro de maio. No Natal, a questão da fome ocuparia o centro da campanha; nas férias e no Carnaval, os perigos da bebida e os cuidados com o trânsito; durante a Quaresma, o combate à violência que resulta em crimes de homicídio e, mais grave ainda, de extermínio. Depois da Páscoa, atenção seria dada às condições desumanas no mundo do trabalho que faz do Brasil campeão mundial de trabalhadores mutilados ou mortos por acidentes que poderiam e deveriam ser evitados.
- Não tenho nada contra as campanhas. São necessárias e recomendáveis como forma moderna e articulada de
- De forma especial, vejo a prática da solidariedade como uma virtude regeneradora da espécie humana em permanente risco de embrutecimento decorrente das motivações com que somos embalados desde a infância. No estudo, no esporte e no trabalho, o que conta é vencer e conquistar o primeiro lugar. Em nossa sociedade globalizada e dominada pela economia nada se faz sem a publicidade e as campanhas. A importância das mesmas pode ser medida pela grandeza dos gastos dos governantes para anunciar planos e medidas de governo e, posteriormente, para explicar o que foi feito ou inaugurar repetidas vezes o pouco realizado!
neo-social denominado Comunidade Solidária. O governo para salvar a economia abre mão da obrigação constitucional de garantir a cidadania dos famintos e se compromete a promover a solidariedade com o imposto dos cidadãos ou com donativos de empresários que até podem ser sonegadores de impostos. Sem dúvida, jamais houve na história do mundo um modelo econômico tão eficiente na produção de riquezas. Nenhum outro, porém, consegue ou conseguiu devastar tanto a natureza e gerar tamanha exclusão e miséria quanto o idolatrado neo-liberalismo globalizado.
- Não tenho nada contra campanhas contra a fome. Considero um desastre e uma irresponsabilidade reduzir a solução da fome às dimensões e aos resultados de uma campanha. A grande frustração do Betinho foi partir sabendo que o sonho de um Brasil justo e sadio, com fartura de comida e muita festa, tinha sido mais uma vez adiado para salvar a economia. Somos novamente conduzidos pelo processo criador de condições para produzir, exportar e, assim, aumentar o bolo da riqueza, antes que possamos celebrar a festa da partilha. A tristeza e a indignação do Betinho foi assistir a transformação da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida numa campanha contra a fome e, como se fosse prêmio ou consolo, na Campanha do Betinho.
- A proposta de uma Política de Segurança Alimentar como um dos eixos do desenvolvimento brasileiro foi abandonada pela determinação de acoplar a nossa Santa Maria, Pinta ou Nina à nave espacial da economia neo-liberal transnacionalizada. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar foi liquidado e substituído por um projeto
- Natal na Paz não teremos enquanto o Brasil ostentar em sua bandeira o lema:
Produce, Export and Starve.
- Como não me ufanar de meu país. Tem tudo para dar certo. Infelizmente promove o real sem monarquia, faz constituição sem pacto social e provoca desentendimento em vez de desenvolvimento. Com tanta luz, água e vento, estamos ameaçados de
black out. Com tanta terra, vivemos na penúria.
- A luz que irradia da manjedoura de Belém e de nossas periferias nos conduza a um tempo novo de compromisso com a verdade e a justiça, ao fim da unanimidade e a uma efetiva e afetiva promoção dos Direitos Humanos. No ano do cinqüentenário da Declaração Universal bem que poderíamos submeter a economia à política, guiar a política pela ética e fazer reinar a cidadania.
- O Papa João Paulo II, em suas mensagens de Quaresma nos últimos três anos, propõe os fundamentos da Paz no mundo. Por coincidência, Darcy Ribeiro morreu balbuciando as mesmas coisas. Comida em todas as mesas, casa de gente para todas as famílias e escola boa para todas as crianças. Sem as sacolas da indigência e sem o saco do Papai Noel, então teremos um Feliz Natal e abençoado Ano Novo.
+ Mauro Morelli
1º bispo da Igreja Católica Apostólica Romana
em Duque de Caxias e São João de Meriti, RJ
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