Jornal mensal da diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti-RJ. |
Editorial
A igreja e a terra
- Tem sido divulgado com ênfase, na segunda semana de janeiro, documento do Pontifício Conselho de Justiça e Paz sobre os problemas da terra. O cardeal Etchegaray, que o apresentou à imprensa internacional, disse que ele foi o resultado de um longo processo, uma gestação de cinco anos, durante os quais o Conselho levantou dados, estudou as problemáticas dos vários continentes, avaliou experiências, analisou relatórios. Saiu um texto que toca em todos os assuntos mais importantes e polêmicos, desde a concentração das terras até à propriedade privada, às ocupações e à reforma agrária.
Igreja e problemas da terra e que faz uma leitura da situação brasileira. Fala da concentração das terras no país, da reforma agrária, dos conflitos e diz abertamente: "Apoiamos os esforços do homem do campo por uma autêntica Reforma Agrária, em várias oportunidades já definida, que lhe possibilïte o acesso à terra e condições favoráveis para seu cultivo. Para efetivá-la, queremos valorizar, defender e promover os regimes de propriedade familiar, da posse, da propriedade tribal dos povos indígenas, da propriedade comunitária em que a terra é concebida como instrumento de trabalho. Apoiamos igualmente a mobilização dos trabalhadores..." e assim por diante.
- Embora assustando um pouco quem considera o conflito um pecado e o problema - especialmente social e político - algo que foge do horizonte do cristão, o documento não chega a ser original, mas, mesmo assim, deve ser considerado audacioso.
- Não é original porque faz parte da mais pura e genuína doutrina da Igreja colocar a terra e os bens da natureza a serviço do ser humano e o pobre e seus direitos acima da propriedade e sua lógica. Desde a época dos Santos Padres até Santo Tomás de Aquino esta doutrina foi ensinada pela Igreja. A partir do final do século passado ela, com novas formulações, se tornou o núcleo central da moderna doutrina social.
- No Brasil, há um documento da CNBB, aprovado pela 18ª Assembléia Geral de 1980, que traz o título
- Portanto, não há elementos novos para quem tenha o costume de acompanhar aquilo que a Igreja vem produzindo ao longo dos tempos.
- Mas o documento do Vaticano é audacioso porque nasce neste exato momento em que a problemática da terra volta a colocar nuances inéditas e polêmicas como é o caso das ocupações promovidas em todo o território nacional pelo Movimento dos Sem-terra. Fazer esta reflexão agora, depois de tudo que já foi dito e escrito, é claramente querer tomar posição e não só teológica mas política. Não adianta que o governo reaja dizendo que o recado não é para ele. O documento, mesmo não sendo endereçado ao Brasil, é para o Brasil, sim. E vem dizer, com toda franqueza e autoridade de um documento pontifício, que o que se faz aqui para resolver a problemática da terra é ainda pouco e insuficiente e que a luta dos Sem-terra e dos outros excluídos que querem ver a democracia chegar aos bens, aos serviços e às oportunidades, é legítima e merece todo o apoio da Igreja. Esta é a audácia do documento.
- No entanto, é bom lembrar que não é a primeira vez que textos contundentes como este são publicados. Todas as encíclicas sociais dos últimos papas têm elementos fortes de denúncia e de crítica. Nunca se pouparam palavras severas para desmascarar a hipocrisia e as contradições dos vários modelos econômicos e políticos. Foram sublinhadas as negligências dos poderosos diante dos fracos e a indiferença do mundo desenvolvido diante do sub-desenvolvido. São elementos que estão em todas as encíclicas de João XXIII, Paulo VI, João Paulo II. Só que, depois de um pequeno alvoroço inicial, elas costumam voltar para as estantes das bibliotecas para ser cobertas pela poeira do esquecimento. Poderá acontecer o mesmo com este documento se agora não houver estudo, mobilização, cobrança e se tudo que dele brotar não for transferido, especialmente neste ano eleitoral, para o campo político.
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