Sejam menos formais e mais radicais
Entrevista à irmã Maria Cristina de Candido,
há 7 anos Madre Geral das Irmãs da Divina Vontade
Pilar: Pode, em poucas palavras, nos apresentar sua Congregação?Ir. M. Cristina: A nossa Congregação nasceu em Bassano del Grappa (uma pequena cidade no norte da Itália) em 1865. Hoje tem 25 comunidades na Itália, 4 na Alemanha, 1 na Albânia, 2 no norte de Camarões, 11 no Brasil, 3 no Equador e 1 na Colômbia. Ao todo somos 350 irmãs.
Pilar: E qual o perfil desta Congregação das Irmãs da Divina Vontade?
Ir. M. Cristina: A intuição que a fundadora teve e que nós procuramos viver é que a vontade de Deus é amor e que, portanto, se faz a vontade de Deus vivendo a caridade. É uma intuição muito simples. Para ela, fazer a vontade de Deus era partir dos últimos, os marginalizados, os esquecidos. É por isso que as nossas fronteiras missionárias são as da marginalidade. Partir dos últimos é o sentido de nossa vida. Trata-se, concretamente, de reintegrar na comunhão os que estão distantes, não porque eles queiram isso mas porque nós os deixamos distantes.
Pilar: Então, as irmãs da Divina Vontade se dedicam a que tipo de atividade?
Ir. M. Cristina: A dizer com a vida que a vontade de Deus é amor. Queremos dizê-lo a todos, sem distinção. Podemos dizer que antes de anunciar a verdade nós nos preocupamos em anunciar a caridade e o fazemos entrando lá onde existem as necessidades primárias das pessoas, desde a sobrevivência até à saúde e à organização social. O que talvez nos diferencie de outras Congregações é o fato de que nós não temos obras nossas, de nossa propriedade e que, desde os primeiros tempos, nós nascemos para colaborar com os outros.
Pilar: Há quanto tempo a Congregação se abriu a outros países?
Ir. M. Cristina: Desde o início dos anos 60 e começamos nos abrindo à Alemanha, acompanhando a migração italiana dos anos 60. Logo depois veio a América Latina, particularmente o Brasil, depois o Equador nos anos 70 e a África e, finalmente, a Albânia já nos anos 90.
Pilar: E que tipo de contribuição estas experiências deram à vida da Congregação?
Ir. M. Cristina: Sobretudo nos trouxeram uma outra maneira de viver, mais aberta, mais próxima do povo. Neste sentido foi exatamente a missão - entendida aqui em sua dimensão geográfica - a fazer-nos re-descobrir o carisma. Não que tivéssemos perdido esta clareza, mas esta proximidade do povo nos ajudou muito.
Pilar: É uma sensibilidade própria dos últimos anos...
Ir. M. Cristina: Sim, embora desde o começo o nosso grupo sempre tivesse tido com o povo uma relação muito próxima, considerada até avançada demais para os padrões da época. Já no início do século tínhamos irmãs que ficavam fora da comunidade 30-40-50 dias para viver nos lugares onde se manifestasse a necessidade. Viviam nas famílias para acompanhar doentes e moribundos...
Pilar: Vocês têm um grupo significativo de irmãs brasileiras?
Ir. M. Cristina: Bem, elas já são metade das irmãs daqui. É uma presença que cresce e que, aos poucos, se torna significativa, tanto pelo tipo de preparo como pelo tipo de presença que as irmãs desenvolvem.
Pilar: Vamos falar um pouco do Brasil. Como está vendo este país?
Ir. M. Cristina: Desde a primeira vez que vim ao Brasil, em 1980, as mudanças têm sido grandes. Talvez quem vive aqui não perceba o desenvolvimento que houve: um desenvolvimento econômico, sobretudo, pelo qual sem dúvida foi necessário pagar um preço muito alto, como todos os outros países do mundo pagaram. As contradições que encontramos no Brasil hoje, se olharmos bem, são as mesmas que encontramos na Europa. Aqui as atribuímos ao Plano Real, lá ao Plano que leva à União Européia, mas são as mesmas. Levam ao mesmo desemprego e ao mesmo desespero de quem fica fora. Posso dizer, porém, que aqui os avanços destes 20 anos foram mais significativos que lá.
Pilar: E a nível de Igreja?
Ir. M. Cristina: Eu não sei se a minha leitura é correta, mas eu sentia um fermento maior e uma maior capacidade de mobilização naquela época. É verdade que no início dos anos 80 já não havia mais aquele mesmo entusiasmo de alguns anos antes, mas agora não vejo mais nem isso. Entendo que tenha havido algum aprofundamento, mas estou com medo que, como acontece no mundo inteiro, também aqui se comece a passar da evangelização para o catecismo. Mesmo os aprofundamen-tos que são feitos se não levam em conta o evangelho e suas exigências, não respondem às expectativas das pessoas. Pegue esta paróquia - Gramacho, ndr. – Ela tem 20 comunidades. Há 20 anos eram muito mais vivas. É verdade, as pessoas que você encontra hoje eram jovens na época. É claro que hoje os jovens são diferentes, estudaram mais, não passaram as mesmas dificuldades econômicas, talvez tenham tido até maiores possibilidades de consumo, mas eu me pergunto: onde eles estão? E o povo de meia-idade, onde está? O que eu quero dizer é que alguns anos atrás a Igreja tinha uma maior ligação com a realidade. Hoje parece que a proposta não chega, que há mais distância entre a Igreja e o povo. Se este pessoal tem a necessidade de ser de uma certa maneira, de rezar de uma certa forma, o que é preciso é encontrá-lo lá onde ele está, a partir de suas necessidades. Deve existir uma maneira de estabelecer esta relação com ele, de celebrar com ele, viver com ele para anunciar, evangelizar de um jeito que deixe um rastro e que seja menos formal, moralista, frio...
Pilar: E o que veio dizer a suas irmãs?
Ir. M. Cristina: Eu vim sobretudo apresentar nosso projeto apostólico, que foi elaborado pelo Conselho Geral a partir das indicações do último Capítulo. É um projeto pelo qual eu tenho muito carinho. Está centrado na missão e tem 4 pontos. 1º: nossa missão é realizar a vontade de Deus na caridade; 2º: a comunhão é condição para a missão; 3º: a universalidade é o horizonte da missão e 4º: a vocação como futuro da missão. São pontos que nos ajudam a caminhar e que, basicamente, mesclam três coisas: a nossa fragilidade, a vontade de Deus e a caridade.
Pilar: O que a senhora vê no horizonte de sua congregação e da vida religiosa?
Ir. M. Cristina: Devemos crer que a vida religiosa continuará sendo importante para a Igreja, mas precisará mudar muito. O que ainda não conseguimos entender é quais serão as mudanças que se farão necessárias. Nós só entendemos que precisamos ter uma maior atenção àquilo que a história nos pede. Não poderemos partir de dogmas, mas será necessário deixar-se levar pelo Espírito e estar atentos para enxergar as novas formas de se propor – e vivenciar - os valores cristãos. Creio que precisará re-descobrir uma vida religiosa que seja, antes de tudo, cristã para podermos expressar os valores evangélicos que nos orientam. Estou falando de coisas simples, como a aceitação de si, dos outros, o perdão, a misericórdia. Nada de complicado.
Pilar: Uma última pergunta. A senhora veio especialmente para a profissão religiosa da irmã Lúcia, uma jovem que entra agora de forma definitiva na vida do Instituto. O que a senhora pede a esta nova geração de irmãs?
Ir. M. Cristina: Nós pedimos com força que sejam menos formais e mais radicais. Claro, é o que pedimos a todas às irmãs, e não é simples, mas é isso. Não busquem seguranças entre nós porque não as encontrarão, mas vivam de fé, confiem em Deus, sejam cristãs de verdade e joguem sua vida na direção da caridade. Se quiser, pedimos às jovens que vivam dentro de seu tempo, de sua história, de sua geografia, sem copiar as coisas que fizemos nós, que já temos 50 anos.
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