Jornal mensal da diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti-RJ. |
Editorial
Apenas um
"dano colateral"
- Parece afastado, pelo menos no momento, o perigo de uma nova guerra no Golfo Pérsico. Os últimos cartuchos usados na busca de uma solução diplomática, conduzida com habilidade na última hora pelo Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, surtiram efeito. O presidente Bill Clinton anunciou sua disposição de aceitar os termos do acordo assinado por Saddam Hussein, embora avise que o contigente militar norte-americano preparado para a guerra ficará no Golfo para castigar imediatamente qualquer novo vacilo iraquiano.
- Ocorra ou não este ataque armado dos Estados Unidos ao Iraque, o clima de tensão que o mundo viveu - e ainda vive - já traz grandes lições.
- Conhecemos algumas das razões norte-americanas para o ataque. Pouco sabemos do que leva Saddam Hussein a desafiar, mais uma vez, a maior potência militar do planeta. Do lado de cá a crise no Golfo tem raízes banais. O presidente dos Estados Unidos precisa sair dos estilhaços provocados pelo novo escândalo sexual com Mônica Lewinsky, a jovem estagiária da Casa Branca, que com suas declarações bombásticas, ameaçou levá-lo aos tribunais. Os estrategistas políticos norte-americanos avaliaram que a um desgaste interno dessa natureza se deve responder imediatamente com um sucesso externo. Vem a calhar a crise provocada por Saddam Hussein. Uma vitória espetacular contra ele, além de derrubar um inimigo declarado e histórico dos Estados Unidos, ajuda a calar os críticos presidenciais e a recolocar Clinton de volta ao pedestal do qual Mônica ameaçou, com incrível ousadia, tirá-lo.
- Do lado de lá outros motivos, igualmente fúteis. Que move a história da humanidade dificilmente são nobres ideais. De Saddam sabemos que é um ditador insano e cruel, que gosta de criar no meio de seu próprio povo um clima de tensão e medo para alimentar, como um velho e insensato sanguinário, seu prestígio pessoal. Parece ter conseguido em seu intento. Aos olhos do povo iraquiano e da maioria dos países árabes Saddam saiu da crise com os Estados Unidos mais forte do que nela entrou.
- Estas razões "políticas" explicam em parte as causas do conflito. Justificam-no?
- Para responder precisaria avaliar os benefícios e os danos que ele traz não para os tiranos mas para os povos. Só que povo não é elemento que costume ser levado em consideração em oportunidades como esta. Os estrategistas militares estadunidenses chegaram a chamar o povo iraquiano, com propriedade de linguagem, de elemento "colateral". Na Operação Trovão no Deserto - assim foi chamada a ação militar que os Estados Unidos promoveriam no Iraque - não haveria ataque terrestre de tropas mas uma ação rápida, maciça e devastadora pelo ar, com bombardeios ininterruptos nas primeiras 72 horas, com direito a transmissões "ao vivo" das mais importantes redes de televisão do mundo. Um espetáculo de tirar o fôlego! Uma ação de força que levaria a destruir de uma vez os arsenais militares de Saddam Hussein e, possivelmente, os depósitos onde ele esconde armas químicas, bacteriológicas e nucleares. Ibope garantido para os horários nobres das programações televisivas.
- O povo iraquiano? Os norte-americanos admitiram que o efeito "colateral" seria imprevisível: talvez 1.000, 1.500 ou algumas poucas dezenas de milhares de mortos, ou talvez mais... Em todo caso, "detalhes" para quem quer ser potência mundial!
- É uma triste constatação. No findar de uma das mais extraordinárias épocas da história da humanidade, época de incríveis conquistas científicas e de espetaculares avanços tecnológicos, época que como nenhuma outra influenciou a vida no planeta, o povo permanece elemento secundário e bucha de canhão, exatamente como na época dos bárbaros e na Idade Média.Este milênio não soube fazer do povo sujeito e protagonista da história humana. Será tarefa e desafio das próximas gerações devolver-lhe o lugar que lhe cabe: bem no centro da história e no coração da criação.
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