Jornal mensal da diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti-RJ. |
Editorial
Palavras ditas...
e não ditas!
Se digo ao injusto que ele deve morrer
e você não o avisar e não lhe falar,
ensinando-lhe a deixar o seu mau caminho
para que possa continuar vivo,
ele morrerá, mas eu cobrarei
de você a morte dele" (Ez. 318)
- Duas declarações, vindas de lugares e personalidades bastante diferentes, tiveram nestes últimos dias destaque na imprensa internacional.
- Primeiro, o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton. Numa visita de pouco mais de 10 dias à África, viu de perto uma realidade que parecia desconhecer e que em alguns momentos o deixou constrangido. Percebeu as dificuldades pelas quais passam muitos países do Sul do mundo. Prometeu ajudas e investimentos. Num dos momentos mais importantes da visita, revelou embaraço ao perceber o tamanho e a profundidade de algumas tragédias que abalaram o continente nos últimos anos. Reconheceu abertamente que a comunidade política internacional se omitiu diante dos dramas vividos por aqueles países. Podia ter feito muito mais do que alguma diplomática declaração de repúdio para impedir que os massacres da Ruanda ocorressem ou para evitar que ditadores e sanguinários saqueassem seus países e levassem à miséria inteiras nações.
- Na África do Sul, Clinton ouviu de Nelson Mandela palavras duras. Este afirmou que tem horas em que as palavras devem ser pronunciadas com firmeza e tem outras em que só as palavras não servem. Quando, por exemplo, a África do Sul viveu seus momentos mais difíceis, de passagem do regime fechado e racista do apartheid para a democracia, o mundo falou muito mas fez pouco. Ajuda mesmo, disse abertamente Mandela a Clinton, a África recebeu de quem os Estados Unidos detestam e tratam como inimigos históricos: a Líbia de Kaddafi, Cuba de Fidel Castro e o Iraque de Saddan Hussein, entre outros.
- Numa outra ponta, o Vaticano publicou um documento que reabre uma das piores páginas da história da humanidade, a que se refere ao Holocausto dos judeus, durante a Segunda Guerra Mundial. Seis milhões de pessoas foram exterminadas. Talvez nenhuma outra tragédia humana tenha marcado tanto as consciências quanto essa. Foi a maior em números, em depravação e loucura. Só no campo de concentração de Auschwitz, no Sul da Polônia, a partir de 1942, 2 milhões de judeus foram literalmente eliminados.
- Mais de 50 anos mais tarde, a cúpula da Igreja quebra o silêncio e reconhece que houve omissões por parte do mundo católico. Algo podia - e devia - ter sido feito para que os horrores não acontecessem. O medo, as avaliações feitas na época e outras mil razões que nada explicam, acabaram prevalecendo.
- A comunidade judaica tem reagido de duas maneiras às declarações do Vaticano. Houve quem apreciasse a coragem, sobretudo do papa João Paulo II, de olhar para o passado e reconhecer um pecado que durante muito tempo foi sussurrado mas nunca havia sido assumido oficialmente. Mas também houve quem achasse o documento pontifício genérico demais. Teriam gostado, estes últimos, que se levassem ao julgamento da história figuras concretas, de bispos e autoridades, inclusive do papa Pio XII, acusado de ser benevolente demais em relação ao nazismo e sua lógica perversa. Ele manteve um embaraçoso silêncio e defendeu a neutralidade do Vaticano enquanto o Holocausto acontecia.
- Duas tomadas de posição bastante parecidas, do Vaticano e de Clinton . Quebram a cumplicidade do silêncio e recebem as mesmas críticas. Quem acusa, são as vítimas, que lembram que as palavras têm uma força extraordinária. Precisam ser ditas na hora certa e às vezes com a força e a fidelidade dos antigos profetas. Podem evitar que crimes e horrores aconteçam. Mas só palavras, também não bastam!
Home Page |