Quando a Igreja é o último baluarte e
a única esperança


A história da Igreja tem sido também história de tomadas de posições corajosas contra abusos de poder, desmandos de tiranos e ditadores, injustiças, desigualdades. Num momento em que, em muitos lugares do mundo, as hierarquias eclesiais são acusadas pelos setores mais avançados de recuar perigosamente para posições "apenas" internas, emergem situações nas quais a Igreja se destaca como voz profética que defende a vida, a dignidade e integridade da pessoa humana e proclama a importância de se buscar a paz. Na África e América Latina os conflitos seriam bem mais profundos se a Igreja não cumprisse com coragem e firmeza este papel.


Na América Latina


Nalguns países da América Latina as feridas são ainda muito profundas. É grave a situação da Colômbia, há anos refém de um conflito que castiga principalmente a população: governo e o seu exército, tráfico de drogas, grupos paramilitares de direita e grupos revolucionários de esquerda ameaçam o povo de todos os lados. O clima de terror e a sensação de impotência tem criado uma situação que levou o papa João Paulo II a classificar o país de "moralmente doente". Ele designou um grupo internacional de bispos para que fosse à Colômbia e avaliasse no local a situação para entender também o que, num momento como este, compete à Igreja.

— Estou horrorizado com aquilo que acontece aqui na Colômbia. Agora entendo porque o Papa fala de um país moralmente doente - disse monsenhor Priamo Tejeda Rosario, um dos responsáveis da Cáritas na América Latina e integrante do grupo que visitou o país. Ele viu um povo mergulhado na angústia mas sobretudo notou em muitos segmentos da sociedade uma expectativa muito grande em relação à ação da Igreja.

— Quem põe em nós grande esperança são os que tiveram que fugir de suas terras. Agarram-se à Igreja como ao último baluarte de uma esperança que na verdade eles já perderam. Querem que canalizemos sua dor para que chegue ao papa, ao presidente da República, às autoridades internacionais. E os bispos nos pedem que, além de compreender a situação, a compartilhemos - resumiu dom José Sánchez, secretário da Conferência Episcopal espanhola, ao voltar depois da visita e do encontro com a população.

Não é que os bispos colombianos não tenham denunciado a situação. Eles acabam de publicar documento no qual destacam o processo de degradação que como mancha de óleo se espalha na sociedade e dizem que é lá que é preciso começar a intervir.

Para as vítimas, tudo isso é extremamente importante.

— A visita dos bispos estrangeiros não somente nos conforta mas também nos dá a certeza que agora temos mais ajuda da Europa e da América do Norte. Esperamos que haja maiores pressões sobre o exército, os guerrilheiros e os paramilitares para que não nos envolvam em sua guerra e deixem de matar - resumiu Juana Palácios, uma das vítimas desta tragédia que parece querer se aprofundar cada vez mais.


Na Argélia


Um outro importante foco de tensão é a África. Grupos internacionais de solidariedade e de direitos humanos têm denunciado com insistência, nos últimos meses, os massacres que ocorrem em vários lugares, na maioria das vezes diante da mais absoluta indiferença da opinião pública mundial.

A violência tem criado traumas profundos na Argélia onde há seis anos forças do governo e oposição se enfrentam em conflito que já deixou atrás de si um largo rastro de sangue.

Expressando a necessidade de reagir diante da situação, o bispo de Hipona publicou uma carta com algumas importantes reflexões onde analisa a violência em seus diferentes aspectos e convida o povo a levantar uma barreira contra ela.

Há, ele diz, estruturas que precisa-se combater:

— Uma condenação do tipo Somos contrários à violência em todas as suas formas serve apenas para apaziguar a consciência e é ineficaz. Levada às extremas conseqüências, se converte em desculpa para justificar a própria violência e descarregar a responsabilidade sobre os demais.

Por isso lança uma cruzada na qual a Igreja é chamada a desempenhar o papel de baluarte moral contra a degradação e a corrupção.

— A boa vontade não basta para eliminar a violência - acrescenta dom Gabriel Piroird. É preciso individuar as causas e combatê-las.

E encontra as causas da crise argelina em 4 pontos: o liberalismo econômico, a corrupção, a desconfiança e os traumas que persistem na vida e no coração daquele que foi vítima da violência. Chega ser duro em sua análise:

— A influência que um sistema econômico mais preocupado com o dinheiro e o capital que com as pessoas só pode ser gerador de estruturas de violência, dispara.

Da desconfiança que se cria em ambiente de tensão, diz:

— A desconfiança gera o medo, o medo gera a agressividade e os mecanismos de defesa... Uma sociedade que cultiva a desconfiança e descansa sobre a mentira, alimenta a violência.


Em Burundi


Ainda na África, os bispos de Ruanda e Burundi acompanham de perto a lenta agonia de seus povos e pedem, em nome dos pobres, que a comunidade internacional cesse o embargo que desde julho de 1996 pesa sobre a região.

O apelo já teve resposta por parte dos grupos que controlam o comércio internacional. Eles decidiram que o bloqueio econômico permanecerá até que o atual governo instaure sérias negociações com os grupos de oposição.


Na Bolívia


Voltando à América Latina, os Bispos da Bolívia também se fizeram porta-vozes recentemente do sentimento de impotência que toma conta da população, impotente diante da crise que aflige o país. Em documento intitulado Construir uma pátria para todos, colocaram-se do lado dos mais pobres, falando da angústia dos desempregados, da falta de perspectivas de jovens e idosos e da sede de honradez e a honestidade que se encontra nos mais variados segmentos da sociedade.

— Uma pátria sem valores éticos não tem nem identidade nem consistência e jamais procurará superar-se - lembraram os bispos.

É a Igreja em seu mais tradicional papel: de defensora intransigente da vida e geradora de esperança.




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