Dia das Mães (1)

ESSAS MAMÃES-CORAGEM
E SEUS FILHOS

Bernardete Toneto


Já está chegando o Dia das Mães. É aquela época em que a gente limpa os cofrinhos, junta o dinheiro e sai por aí procurando alguma coisa bem bonita para dar à mamãe. Quem anda meio sem dinheiro já começa a preparar o abraço bem forte, o beijo carinhoso e aquele "eu te amo" que sai do fundo do coração. E a mãe da gente fica com aquela cara de felicidade, achando que valeu a pena o trabalho de todo o ano. Afinal, ela tem o melhor filho do mundo.

Existem mães de todos os tipos. Velhinha, jovem, a que passa o dia em casa, a que trabalha. Tem até mãe adolescente. Uma delas é Alícia, mãe de Jorge Luís, de seis meses. "O melhor presente que eu já ganhei é esse neném aqui", diz a menina de 16 anos. Mas depois, ela pensa bem e completa: "Se desse, eu queria mesmo é uma casa para morar".

Alícia descobriu que estava grávida quando morava na rua. Foi um susto danado. Afinal, não tinha casa, o namorado também vivia na rua e ela estava brigada com a mãe. "Deu um medo danado. Eu nem sabia como tinha ficado grávida, tinha medo do parto, da minha mãe não querer me ver mais", ela conta.

Assustada, foi procurar ajuda do pessoal da Pastoral do Menor de São Paulo. Os educadores, com muito carinho, logo começaram a trabalhar: procuraram sua família, arrumaram um posto de saúde para ela fazer o pré-natal e um hospital para ter o neném. Até enxovalzinho ela ganhou.

Parecia que tudo ia se ajeitando, mas Alícia ainda tinha medo do futuro. E não era para menos: no barraco onde moram a mãe e os irmãos não tinha lugar para ela nem para o filho. Será que ia conseguir trabalhar? E se conseguisse, onde ia deixar o bebê?

Gustavo, o pai de seu filho, tem apenas 17 anos. "Quando a gente passa por essa situação, chamam a gente de vadia, nunca de mãe", diz Alícia. Mas ela foi em frente. Casou com Gustavo em novembro do ano passado e um pouco antes do Natal nasceu o Jorge Luís, um meninão forte que só quer saber de colo. Alugaram um quarto num cortiço no bairro do Brás e catam papelão nas ruas do centro de São Paulo. Onde vão, levam o neném. Sempre tem alguém que dá uma lata de leite, roupinhas, ajuda a levar ao médico. E os dois sonham com um futuro melhor para o filho: uma casinha, escola, outros amiguinhos para brincar...


Um é bom, cinco é melhor


Se Alícia está feliz com o Jorge Luís, imagine a Cássia, que tem cinco filhos? Já estão todos bem crescidinhos (a Regina acabou de fazer 15 anos e a Luana, a caçula, está com oito) e ajudam nas tarefas de casa. Cada um tem sua obrigação: vão para a escola, cozinham, arrumam seus quartos, fazem as tarefas domésticas e, aos sábados e domingos, capricham no café da manhã para a mamãe.

Você está achando que Cássia (na verdade ela chama-se Maria das Graças de Oliveira Silva) é uma mãe comum? Que nada. A história dela poderia dar um filme, daqueles cheios de aventura, muita emoção e final feliz.

Cássia, quando se casou com José, tinha planejado ter seis filhos. Conseguiu chegar a cinco. Quando Luana tinha apenas 23 dias, José foi internado para uns exames e morreu, vítima de erro médico. Sozinha, sem dinheiro para sustentar as cinco crianças, ela ficou desesperada. Cheia de dívidas para pagar, sem nunca ter trabalhado fora, ouvia as pessoas aconselharem: "É melhor você dar as crianças. Você é muito nova e não vai conseguir cuidar dessa filharada" (na época ela tinha apenas 25 anos).

Só que, cada vez que ela olhava para os filhos, sentia um aperto no coração. Decidiu fugir com os cinco e foi morar em uma casa abandonada. Chovia dentro da casa e eles não tinham nada. As crianças passaram fome, viveram de doações, passavam tempos na casa de amigos. Mas sempre junto com a mãe. Cássia tentava arrumar algum dinheiro trabalhando no que dava. Mas uma hora era o Diego com dor de barriga, ou a Luana com dor de dente. A Regina não conseguia chegar na aula. A Lorita tinha crises de bronquite. E o Douglas queria colo. Ufa...!

O grande problema da grande família era arrumar uma casa. Por isso, junto com a me-ninada, Cássia começou a participar das reuniões da Pastoral da Moradia. Entrou em um grupo de construção por mutirão e, com os cinco filhos ajudando, carregou tijolo, amassou cimento, foi à Secretaria de Habitação reivindicar verbas para moradia popular. Fez muitos amigos e, como gosta de dizer, "descobri o significado da palavra solidariedade".

Atualmente, os cinco moram na casa construída no bairro do Ipiranga. O espaço é pouco para tanta gente, mas eles vão se ajeitando. Agora que as crianças estão mais independentes, Cássia começou um curso de Assistência Social na PUC de São Paulo. Os filhos dão a maior força, pois, como diz a Regina, "essa aqui é a mãe coragem".


Sonhar é bom


Dona Helena Pereira dos Santos gosta mesmo é de receber beijos do filho Miguel e dos netos no Dia das Mães. Não está nem aí para presentes. A única coisa que ela gostaria de ganhar não está à venda e ela sabe que vai ser difícil conseguir: ela gostaria de ter informações do seu outro filho, o Misael, desaparecido político em 1976. Há 20 anos que ela procura, procura, e o máximo que conseguiu até agora foi uma declaração do governo dizendo que seu filho desapareceu. Como ele morreu, onde está enterrado seu corpo, ninguém fala.

A última vez que dona Helena viu Misael - que muita gente conhecia como "Cazuza" - foi em 1971. Ele entrou em casa e falou para a mãe não se preocupar, porque ia sumir por uns tempos e tentar fazer um país melhor. Era a época da ditadura e Cazuza resolveu integrar a Guerrilha do Araguaia, um movimento de resistência aos militares no Mato Grosso. Ele foi e nunca mais voltou. Dona Helena começou a busca, bateu em portas de generais, foi humilhada e muito ameaçada. Mas não cansou. Fundou o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e participa do Grupo de Familiares Desaparecidos Políticos. Hoje, aos 77 anos, essa mãe de cabelos branquinhos reconhece que o seu filho morreu, mas luta para que outras mães nunca passem pelo sofrimento que ela passou.


Bernardete Toneto


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