Dia das Mães (2)

ESSAS MAMÃES-CORAGEM
E SEUS FILHOS

Bernardete Toneto


Construindo o futuro


Diolinda Alves também sofreu muito quando ficou longe de João Paulo, de três anos. Foram quase dois meses de saudades. Só pensava em como era gostoso brincar com o menino, carregá-lo para as reuniões do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, vê-lo se divertindo com as outras crianças que, nos acampamentos e assentamentos, aprendem desde pequenas que a terra é para quem trabalha nela.

Não foi nada fácil para Diolinda ser presa no dia 25 de janeiro no Pontal do Paranapa-nema, onde ela mora, acusada de formação de quadrilha. Na verdade, o juiz que mandou prendê-la estava atrás do seu marido, o José Rainha Júnior, que não fez nada mas teve que se esconder, perseguido por fazendeiros da região. Boa de briga (no ano passado ela ficou presa 19 dias na Casa de Detenção de São Paulo), Diolinda fez uma greve de fome e acabou internada na Santa Casa de Álvares Machado. Quem a visitou conta que ela só perguntava por João Paulo e o marido, Rainha.

Enquanto Diolinda estava presa, João Paulo ficou com os avós. Ele é bem pequeno e não conseguia entender toda aquela confusão. Chorava de saudades da mãe. E a mãe chorava de saudades dele.

Depois que foi libertada, Diolinda disse: "Eu só pensava no meu filho, nos filhos dos outros sem-terra e achava que a minha luta valia a pena. Essa era apenas uma batalha na guerra pela reforma agrária que existe no Brasil". Agora que os três estão juntos novamente, ela planeja um Dia das Mães diferente lá no Pontal: uma festa com todas as mães sem-terra e a meninada.


Festa de arromba


Setenta "filhos" vão fazer uma festa danada na casa de dona Aldair Piton, no bairro de Rio Pequeno, na periferia Sul de São Paulo. E olha que dona Aldair é solteira e nunca en-gravidou. É que há 27 anos ela acolhe, na Casa Santíssima Trindade, crianças abandonadas pelos pais, que acabam se tornando seus próprios filhos.

Participam da festa os filhos, netos e até bisnetos, de todas as idades. "Formamos uma família linda, unida", ela se orgulha em dizer. E a família a que ela se refere é composta, hoje, por setenta crianças e adolescentes. Na casa, barulhenta como era de se esperar, todos fazem alguma coisa: enquanto uns cozinham, os outros lavam a roupa, fazem a faxina e cumprem a ordem da mamãe: estudar em primeiro lugar.

Dona Aldair conta que desde menina sonhava em dedicar sua vida a alguém. Foi dando aulas de Biologia e Ciências para adolescentes que ela descobriu que existiam muitas crianças precisando de ajuda. Alugou uma casa e, com uma amiga, acolheu a primeira menininha, a Beth. "Ela tinha dois anos, era pequena, magrinha. Só saiu daqui para se casar. Hoje tem filhos, está feliz e vem passar o Natal com a gente".

Na Casa Santíssima Trindade há crianças que chegaram sozinhas, outras que foram trazidas pelos pais que não tinham condições de criar. Os maiores cuidam dos menores. Carinho é obrigatório, apesar da tristeza e da revolta de muitas crianças, que desejam conhecer suas mães verdadeiras e não aceitam o abandono. Mas dona Aldair, já acostumada com os dramas pessoais, acha que, com amor, todos acabam aceitando a família que "conquistaram".

Depois de tantos anos de dedicação aos "seus filhos", dona Aldair ainda se emociona quando recebe bilhetinhos que dizem: "Mãe não é aquela que gera, mas aquela que cria". Por isso não se arrepende de não ter casado e de ter se privado da maternidade, pois acha que já deu muita luz a muitas gerações.


Ela é excepcional


Neste ano, Magnólia Luz ganhou seu presente do Dia das Mães adiantado. É que a Ana Carolina - a Carol - fez um desenho tão bonito, que virou até quadro. Quem chega na casa delas e vê aquele monte de tinta vermelha e roxa esparramada no papel, não entende nada. Mas Magnólia acha aquele um desenho excepcional, feito pela filha que é... excepcional.

Carol tem cinco anos. Quando ela nasceu, era igualzinha a todos os outros bebês. Mag-nólia, que já tinha dois outros filhos - Luiz, de 16 anos, e Renan, de 12 - ficou feliz da vida com a chegada de uma menininha. Mas caiu das nuvens quando os médicos, na maternidade, lhe disseram que Carol era portadora da Síndrome de Down, uma doença genética que limita a capacidade intelectual da criança.

Na primeira semana, foi uma tristeza só na casa. "Eu sou psicóloga, trabalhei em creche pública durante 10 anos e sabia que ia ser difícil", conta Magnólia. Mas, alegre e prestativa do jeito que ela é, chutou a bola pra frente e foi logo procurar ajuda na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, a Apae.

Junto com outras mães de crianças excepcionais ou deficientes mentais, Magnólia e seu marido, Carlos, descobriram que não existem níveis de retardamento mental. Para a criança se desenvolver física e psicologicamente, é preciso que seja estimulada. E é preciso acabar também com os preconceitos, fazendo com que todos os amigos participem do processo de aprendizagem e amor.

Magnólia foi lendo livros e revistas. Descobriu, por exemplo, que é errado chamar os "downs" de mongolóides, já que eles não nasceram na Mongólia e sim no Brasil. Ela ficou abismada quando soube que durante muitos anos as famílias escondiam os filhos, com vergonha. Daí é que surgiu o mito de que eles morrem jovens. Pudera, sem contato com o mundo exterior...

"Imagina só uma coisa dessas. Eu tinha o maior orgulho da Carol e queria que todo mundo soubesse que ela tinha essa limitação, queria que as pessoas ajudassem", conta Magnólia. E todo mundo foi ajudando, nos exercícios para firmar as perninhas, nas conversas para que Carol aprendesse as primeiras palavras, nas brincadeiras com as crianças "normais".

Carol, que é uma criança excepcional e nada boba, aprendeu rapidinho. No ano passado, além das aulas na Apae, ela freqüentou o jardim de infância numa escolinha perto de sua casa. Brincava com todas as crianças, fazia suas tarefas escolares e era a mais querida da turma. Mas, também, quem resiste quando ela fixa os olhos nas pessoas e diz, carinhosamente: "Eu te amo, muito, muito"?

Bernardete Toneto


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