Semana do Migrante

Vidas de muitos adeus


De todos os lugares em busca de um lugar ao sol em qualquer canto. Um país em movimento.


Paulo Lima


No interior do Nordeste, o pau-de-arara continua a circular, levando retirantes do agreste para a região canavieira e as capitais. De algumas cidades do sertão também ainda costumam sair dois, três ônibus toda semana em direção ao Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

Do norte do Paraná, milhares de pessoas migram para os cerrados do oeste mineiro na época da colheita do café. Fazem, no caminho inverso, a mesma experiência dos mineiros do Vale do Jequitinhonha/MG que partem em direção à agroindústria do interior paulista.

Estados como Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre não param de receber famílias e mais famílias provenientes de outras regiões do país.


FENÔMENO MAIS DIFUSO - O vai-e-vem contínuo de pessoas retrata um país em movimento. De acordo com o último censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 26 milhões de brasileiros mudaram pelo menos uma vez de município nos anos 80. Entre eles, 11 milhões foram morar longe do seu estado de origem de 1981 a 1991.

A cidade de São Paulo continua sendo o destino de uma multidão de pessoas todo ano. Mas já não é mais como no passado. Os novos pólos de chegada para os brasileiros fugitivos da miséria podem ser também as cidades médias, ou mesmo um pequeno município da periferia de alguma região metropolitana.

"A migração, hoje, é um fenômeno muito mais complexo e difuso do que nos anos 60 e 70, quando tínhamos uma saída em massa de nordestinos para o Sudeste", explica Wanderluce Pessoa, do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM). A entidade está ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB. Foi criada em 1985 para acompanhar o problema e atuar junto à população migrante do país.

"Hoje, todo mundo está saindo de todos os lugares em busca de melhores condições de vida em qualquer canto, até mesmo no nada", completa.

Sem desaparecer no Nordeste, a miséria se espalhou pelo resto do país. Por mais quilômetros que viaje, o migrante continua no mesmo território da pobreza, da exclusão social. É essa, segundo Wanderluce, a principal chave de leitura da grande mobilidade interna no país.


PRECONCEITOS - Se a novidade atualmente é um fluxo migratório mais difuso, o que parece não ter mudado no cenário da migração é o preconceito contra os brasileiros que se vêem forçados a migrar de um canto para outro, à procura de uma vida menos desgraçada.

Multiplicam-se os casos de prefeituras que tentam barrar a entrada de novos migrantes, ainda que o direito de ir, vir e permanecer esteja assegurado pela Constituição Federal.

Com base em informações divulgadas pela imprensa, Wanderluce conta que o prefeito de Araraquara/SP, por exemplo, chegou a oferecer uma recompensa de 500 reais a quem denunciasse a chegada de "peruas" (kombis) trazendo migrantes para a cidade.

"Como no Brasil não existem fronteiras geográficas, constroem-se muros sociais desse tipo para impedir a entrada do migrante", ela comenta.

"Toda vez que o grupo do Piauí quer organizar uma festa ou celebração no centro comunitário do bairro, os vizinhos tentam atrapalhar, jogando ovos, provocando brigas e até chamando a polícia", conta Nelson Bison, também do SPM.

Nelson acompanha a comunidade de migrantes piauienses de Vila Carolina, periferia de São Paulo. Ele diz que há algum tempo a comunidade vem recebendo cartas anônimas contendo fortes expressões racistas, do tipo "nortistas desgraçados, raça ruim, gente suja...".


SEMANA DO MIGRANTE - O SPM articula o trabalho das diversas associações e congregações católicas que atuam em benefício do migrante no país e também produz subsídios para ajudar na reflexão e debate sobre o tema.

Desse debate nasce o material para encontros e celebrações da Semana do Migrante, que, neste ano, se realiza entre os dias 15 e 22 de junho, com o tema: "Conquistar a liberdade". O encerramento acontece no domingo que antecede o Dia do Migrante - 25 de junho.

É um momento especial que a Igreja dedica ao aprofundamento do problema da migração. O tema - lembra Wanderluce - guarda uma forte ligação com o da Campanha da Fraternidade deste ano, sobre os encarcerados. "Como quem vive atrás das grades, o migrante é, na maioria das vezes, prisioneiro da própria sobrevivência."

"Longe de ser um gesto de liberdade, a migração acaba revelando o desespero de quem se vê pressionado pela necessidade de viver a qualquer custo e em qualquer canto", diz o texto-base da Semana do Migrante, depois de mostrar como o desemprego, a globalização e a falta de reforma agrária estão hoje na raiz do problema da migração.

A Semana discute ainda outras prisões que fazem parte do mundo da migração, como preconceitos, exploração no trabalho, trabalho escravo e o desrespeito ao direito de ir e vir.


NOVO MILÊNIO - Durante a última assembléia da CNBB, na primeira metade de abril, o SPM repassou aos bispos o texto sobre "O fenômeno migratório no limiar do terceiro milênio". A reflexão nasceu de um simpósio realizado em novembro de 96, em parceria com o Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).

Também foi proposta aos bispos a realização de mais uma Campanha da Fraternidade sobre migração, para o ano 2001. "A tendência para o próximo milênio é o aumento das migrações, em nível mundial", avalia Nelson.

Ele lembra que a Campanha da Fraternidade de 1980, com o lema "Para onde vais?", representou um grande avanço no debate e ajudou a derrubar barreiras de discriminação.

Os integrantes do SPM acreditam que a proposta, se aceita, irá ajudar os cristãos e a sociedade a iniciar o novo milênio com uma mentalidade mais aberta: acolhendo, no respeito e na solidariedade, quem chega de mala e cuia.

E também trabalhando para fazer do Brasil um país onde as pessoas não se vejam o tempo todo obrigadas a pôr o pé na estrada para fugir da miséria.


Convite a participar

Com o tema "Migração e Liberdade" e o lema "Liberdade vem e canta", o SPM promove este ano o Quinto Festival de Música e Poesia do Migrante. A final será no dia 19 de outubro em São Paulo. Festivais locais, que servem para a classificação final, estão sendo realizados nos vários estados.

A iniciativa quer despertar para a solidariedade e também estimular a organização dos migrantes por meio do seu potencial cultural.

Para organizar um festival em sua região, entre em contato com a sede nacional do Serviço Pastoral dos Migrantes: Rua Caiambé, 126, Ipiranga - 04264-060 São Paulo-SP - Fone/fax: (011)63.7064.

No mesmo endereço, os grupos e comunidades podem encontrar o texto-base para a Semana do Migrante, subsídios para círculos bíblicos e celebrações, cartazes, fitas-cassete e camisetas.