Mundo Plural: Pigmeu

Os filhos da selva


Quando estão entre estranhos e distantes de seu hábitat, parecem tristes, preguiçosos, introvertidos. Na selva, ao contrário, são alegres, muito ativos, comunicativos e acolhedores.


A história dos Pigmeu se perde na noite dos tempos. Estudiosos afirmam que, muito antigamente, um povo pigmeóide habitou o Oriente Médio. A partir dali, conforme a selva ia se deslocando em conseqüência do desaparecimento das florestas, os antepassados dos atuais Pigmeu foram mudando de um lugar para outro.

Chegou um momento em que se dividiram em dois grupos: os chamados "negritos" - de características físicas e culturais parecidas com as dos Pigmeu -, que se dirigiram para a Ásia, e os autênticos Pigmeu, que foram parar na África Central.

Os Pigmeu entraram para as páginas da história há alguns milhares de anos. Os antigos gregos já os conheciam - inclusive, Homero fala deles no livro III da Ilíada. Existe a versão de que teriam sido os habitantes da Grécia que lhes deram o nome "pigmeu", que em grego significa "da altura de um côvado" (um côvado = três palmos).

Mas a fonte mais antiga a registrar a existência dos Pigmeu data do tempo do faraó egípcio Neferkara (cerca de 2500 a.C.). Ali, eles são descritos como "habitantes da selva" e "dançarinos de Deus".

O padre Antônio Vieira lembra deles em seus Sermões, quando ensina que "ninguém se contenta com a estatura, que Deus lhe deu: e não há homem tão pigmeu, ou tão formiga, que não aspire a ser gigante".

Os Pigmeu foram os primeiros habitantes da África Central. No entanto, quando a região onde habitavam foi invadida pelos Bantu - outro grupo étnico africano muito importante, que se dedica à agricultura -, eles se viram obrigados a se refugiar mais e mais nas profundidades das selvas.

Atualmente, somam cerca de 200 mil vivendo na floresta equatorial, divididos entre os territórios da República dos Camarões, Gabão, Congo, República Centro-Africana, Burundi, Ruanda e Zaire.


POVO FEIO E COM
GRANDES RABOS: LENDAS


Os Pigmeu criaram formas culturais próprias, de acordo com as exigências do seu hábitat. Isso, ao lado dos obstáculos geográficos e naturais, foi um dos fatores que os levou a viver isolados. Mesmo os poucos intercâmbios comerciais de carne e mel selvagem sempre se deram através de intermediários.

O longo isolamento na selva e a falta de contato com os demais povos africanos deu origem a lendas absurdas e racistas. Costumava-se descrevê-los como um povo muito feio, meio animal, chegando-se a fantasiar que possuíam grandes rabos.

Tais lendas foram responsáveis por atitudes discriminatórias por parte dos Bantu africanos, como também dos árabes e europeus, que os consideravam animais, sem alma. Há umas dezenas de anos, por exemplo, a tribo africana dos Magbetu perseguiu e matou todos os Pigmeu de seus arredores, caçando-os como se fossem javalis.

Fisicamente bem proporcionados, os Pigmeu são "baixinhos" se comparados aos nossos padrões: a altura média das mulheres é de 135 centímetros e a dos homens, de 145. Eles mesmos consideram sua baixa estatura uma vantagem, porque os faz ágeis em suas andanças pelas obscuras selvas africanas. E ainda fazem troça, chamando os altos e fortes Bantu de "elefantes desajeitados".

A cor da pele, acobreada e com matizes avermelhados, distingue-os claramente dos Bantu, de pele negra ou café-escuro. Também se diferenciam por suas tradições, costumes e sistema de vida. Por isso, é comum ouvir um pigmeu dizer: "Biso na baindu..." - "Nós e os negros...".

Em todos os grupos pigmeus, a unidade sócio-econômica é a aldeia, formada por uma dezena de cabanas e habitada por grupos de trinta a setenta pessoas. O mais velho, ou o caçador mais hábil, preside cada unidade.

A cabana, semi-esférica e totalmente coberta de folhas, tem de 2 a 3 metros de diâmetro e uma altura que raramente supera os 150 centímetros. Antigamente, sua construção era tarefa exclusiva das mulheres.

Os instrumentos de trabalho dos Pigmeu são poucos e feitos com madeira, ossos, chifres, fibras naturais e vegetais, dentes e sementes duras. Além de suas casas, são hábeis na construção de pontes de cipó sobre os rios.


CAÇA: MOMENTO MÁGICO
DA COMUNIDADE


A estrutura social dos Pigmeu é muito precisa, e há uma nítida divisão sexual do trabalho. As mulheres recolhem na selva tubérculos, fungos, larvas e cogumelos. A pesca, que só acontece na estação seca, é reservada, em alguns grupos, às mulheres e crianças.

Já a caça é atividade exclusivamente masculina e se constitui num momento mágico na vida da comunidade pigméia. Os homens se preparam para sair à caça se abstendo das relações sexuais e evitando toda "ofensa" à comunidade. Antes de partirem, há cerimônias de purificação e propiciação.

Nessas cerimônias, Mama Idei, a mulher mais velha do grupo, joga punhados de folhas sobre o fogo, fazendo a seguinte oração: "Abençoa, ó Deus, esses filhos teus. Olha para eles com atenção: estão famintos! Faz com que muitos animais caiam em suas mãos".

Então, com a boca cheia d'água, benze os arcos, as flechas e as redes dos caçadores com pequenos borrifos. Em seguida, cada caçador enche a boca de água e borrifa sobre o fogo, pedindo o perdão de seus pecados: "Deus, se agi mal, perdoa-me. Que a caçada não fracasse por culpa minha".

Certos grupos pigmeus são famosos pela caça do elefante, uma atividade valente e arriscada. Nela, alguns caçadores se aproximam o mais possível do animal e dificultam-lhe a marcha para que se distraia e caminhe devagar.

Enquanto isso, um dos homens se arrasta por debaixo do ventre do animal e lhe corta os tendões de uma das patas traseiras. Dessa forma, o elefante, debilitado e ferido, cai ao chão, e todos os caçadores se reúnem para matá-lo.


DIVERSÃO: DANÇAS COLETIVAS
E JOGOS MÍMICOS


Os Pigmeu, por viverem na floresta tropical escura, quente e úmida, encontram na coleta e na caça suas formas de subsistência. Não acumulam alimentos nem bens naturais e vivem daquilo que a natureza lhes oferece. Mas nem sempre contam com o suficiente para atender às necessidades mínimas - às vezes, passam longos períodos de fome.

Como os demais povos caçadores da África, nunca se interessaram nem pela agricultura nem pela criação de gado. O único animal doméstico que costumam ter é o cachorro.

A mulher é muito respeitada na sociedade pigméia, e a monogamia é uma tradição tão firme que chega a ser difícil aos estudiosos explicá-la.

O homem em idade de casar busca uma esposa em um grupo distinto do seu. É uma forma de intercâmbio: um grupo cede a outro uma mulher se este está em condições de dar-lhe outra no lugar, para que o vazio deixado por uma seja preenchido pela outra.

Todas as noites, os Pigmeu costumam se reunir em danças coletivas e jogos mímicos, que são suas atividades preferidas nas horas de lazer.

Não é fácil falar da religião dos Pigmeu, porque eles não costumam expressar suas crenças com ritos externos e, além disso, a religião dos diferentes grupos não é uniforme.

Geralmente, crêem num Ser Supremo criador, que se personifica no deus da selva, do céu e do além. Crêem ainda que as almas dos bons se convertem em estrelas do firmamento, enquanto as almas dos maus são condenadas a vagar eternamente pela selva e dão origem às doenças dos humanos.

Os Pigmeu acreditam também na vida além da morte, mas não se estendem muito sobre o assunto, logo se esquecendo das tumbas de seus antepassados.


POVO BANTU:
PATRÕES NEGROS DOS PIGMEU


As relações dos Pigmeu com a administração dos Estados em que vivem são complicadas e difíceis, como para qualquer povo semi-nômade. Os governos querem que se tornem sedentários para obrigá-los a seguir seus programas de desenvolvimento e integrá-los à economia nacional.

Alguns países pretenderiam usar os Pigmeu como curiosidade turística e convertê-los em patrimônio nacional, como se se tratassem de animais raros de uma reserva. Esta é uma situação discriminatória que, nascida das diferenças entre os Pigmeu e os demais povos africanos, ainda perdura hoje.

De natureza dócil e ingênua, os Pigmeu foram facilmente subjugados pelos Bantu. Em certas regiões, chegam a ser considerados parte do seu patrimônio familiar e, como tais, são transmitidos como herança de geração em geração.

Nessas condições, é o patrão negro quem responde por eles diante da sociedade. Defendem-nos em tribunais, onde às vezes os Pigmeu nem sequer têm o direito de comparecer, e conservam seus eventuais documentos públicos, que usam sem maiores controles.

Os Bantu desfrutam dos bens que os Pigmeu caçam e colhem e exigem que trabalhem em seus campos. Em troca, lhes dão retalhos velhos de tecido, alguns produtos de cultivo e até suas cabanas, quando estas já estão semidestruídas.


VIDA E CULTURA AMEAÇADAS
PELO PROGRESSO


Quando estão entre estranhos e distantes de seu hábitat, os Pigmeu parecem tristes, preguiçosos, introvertidos. Na selva, ao contrário, são alegres, muito ativos, comunicativos e acolhedores. Para eles, o sistema comunitário é essencial e determinante.

Enquanto para o negro em geral a selva é uma madrasta perigosa, para os Pigmeu é uma mãe amorosa que os acolhe, nutre e protege. Dela eles recebem o material para construir suas cabanas, a madeira para seus arcos e flechas e o alimento cotidiano.

Hoje, como no passado, a sorte dos Pigmeu está ligada à selva. Fora dela, sua cultura e sua vida se perdem. Mas ultimamente o seu meio ambiente está sendo cada vez modificado e destruído pela extração de madeira, extensas plantações de café, minas de ouro e diamantes e implantações industriais.

Além disso, o uso de armas de fogo por parte de negros e brancos afasta sempre mais os animais selvagens, dificultando a caça, atividade essencial para a subsistência dos Pigmeu.

Qual o futuro dos Pigmeu? Eles conseguirão se integrar numa sociedade moderna sem perder a sua identidade cultural?

A discussão avança em terreno desconhecido. Qual o tipo de desenvolvimento adequado para uma população semi-nômade? Sabe-se muito pouco a respeito, e há o risco, sobretudo, de se querer responder a essa questão em nome dos próprios Pigmeu.