América Afro-latina: Colômbia

O negro como ameaça

"O reconhecimento das comunidades negras representa uma ameaça para os poderosos."


ENTREVISTA: CARLOS ROSERO

Com quase 7 milhões de negros, a Colômbia é o terceiro maior país do continente americano em população negra, depois dos Estados Unidos e o Brasil. Sobre o modo como vive toda essa gente fala o antropólogo colombiano Carlos Rosero, que trabalha no Vale do Cauca.

Os negros colombianos habitam sobretudo as partes norte (Mar do Caribe) e oeste (Oceano Pacífico) do país, bem como os vales andinos dos rios Cauca, Magdalena e Patia. Também estão presentes nos grandes centros urbanos, como Bogotá, Cartagena, Barranquilla e Medellín. Somam 450 mil no departamento do Valle, cuja capital é Cali.


Qual o papel desempenhado pela população negra na construção da Colômbia?

- Ao longo da história, os negros foram assumindo um papel sempre mais importante na construção econômica do país. Por exemplo, a eles se deve a extração de uma boa parte do ouro colombiano. Trabalharam e trabalham em quarenta portos do país e nas plantações de banana. Cerca de 60% da madeira colombiana de exportação passa por suas mãos. Mas a situação dos negros não é nada boa.

Como assim?

- Oitenta por cento dos negros colombianos não conseguem satisfazer suas necessidades básicas, em termos de alimentação, e essa porcentagem sobe drasticamente para 98% em algumas regiões. É o caso em Olata Herrera, departamento de Nariño, na costa pacífica, apesar de que ali se produzem 25% de toda a madeira do país. A renda média anual dos negros é muito mais baixa, menos crianças negras freqüentam as escolas e a taxa de mortalidade infantil entre os negros é muito mais alta.

A que ponto anda a organização interna dessas comunidades?

- A coordenação, nos níveis nacional e regional, de toda uma série de iniciativas antes dispersas é o que obrigou a Assembléia Constituinte, em 1991, a conceder um mínimo de reconhecimento às comunidades negras. A nova Constituição inclui um artigo transitório que garante às comunidades negras, como grupos étnicos, direitos econômicos e sociais próprios.

Um reconhecimento que chega com grande atraso...

- É que os negros são quase 7 milhões, e não 1 milhão como os indígenas. Além disso, vivem em regiões estratégicas do ponto de vista econômico, político e militar. A costa atlântica e o vale do rio Cauca, por exemplo, desde o século 16, foram importantes para o comércio internacional, a pecuária e a agricultura. Qualquer tipo de reconhecimento às comunidades negras representa uma ameaça ao espaço de ação das classes poderosas do país.

Essas comunidades têm uma base política?

- Sem dúvida, e desde sempre na história. Os chamados palenques (quilombos) eram organizações de resistência, mas também econômicas, sociais, políticas e culturais.

Nos anos 70, sob o influxo do movimento negro dos Estados Unidos, a consciência do negro na Colômbia nasce mais no setor acadêmico e estudantil, insistindo sobre a questão da discriminação racial. Nos anos 80, a teologia da libertação e as comunidades de base favorecem o crescimento organizativo entre os camponeses, e se enfatiza a questão étnica. Agora, nos anos 90, pode-se falar de uma síntese entre as duas tendências, a acadêmica e a camponesa, que desemboca no reconhecimento constitucional das comunidades negras.

Então, pode-se falar ou não de discriminação racial na Colômbia?

- Ninguém responderia que sim, porque o racismo nunca foi institucionalizado e porque não se dão episódios do tipo como acontecem nos Estados Unidos. Porém, a realidade é outra.

A discriminação existe, e as perpectivas não são as melhores. Por duas razões: se as comunidades negras cobram os seus direitos, enfrentam a resistência de amplos setores do governo e do mundo político e econômico. Além disso, a atual crise política favorece o fortalecimento da direita política e, com isso, cresce o risco de enfrentamento entre essa direita e os movimentos sociais.



Colômbia

Nome oficial: República da Colômbia
Capital: Santa Fé de Bogotá
Idioma: espanhol (oficial)
Religião principal: cristianismo (católicos: 93,1%, em 1993)
População: 35,7 milhões (1996)
População negra: cerca de 7 milhões


A África é aqui

Chocó, na Colômbia. Centenas de quilômetros de bosques tropicais impenetráveis e uma cadeia de montanhas de até 5 mil metros de altura separam as pequenas aldeias de pescadores negros do restante do país. A rodovia mais próxima é a que leva ao porto de Buenaventura, ao norte. Para se chegar ao Chocó, é preciso viajar ainda 240 quilômetros de barco na direção sul.

Até vinte anos atrás, quando se construiu uma série de pistas de pouso na região, os descendentes dos escravos que, muito antigamente, estabeleceram aqui o seu território de liberdade, viveram praticamente sem qualquer tipo de contato com a sociedade colombiana.

Os negros do Chocó seguem vivendo da agricultura e da pesca, como os antepassados. Os casamentos convencionais são cada vez mais freqüentes, mas a poligamia sobrevive. Os ritmos latinos também chegaram, junto com a cerveja e a Coca-Cola, porém os grupos ainda se reúnem nas praias de areia negra, durante a noite, para tocar seus tambores, instrumentos de percussão e flautas feitas por eles.

Muitas das enfermidades do homem branco são desconhecidas no Chocó. Até quando? Aos poucos, o isolamento vai sendo quebrado, com o advento da eletricidade, a televisão e o telefone. Vôos aéreos cada vez mais freqüentes anunciam a chegada de turistas a essa região cheia de encantos.

Turistas, hotéis, restaurantes... A população negra do Chocó, terra da liberdade, começa a enfrentar um novo e grande desafio. O avanço inevitável da chamada civilização ameaça quebrar o ritmo da liberdade aqui plantada pelos antigos.