Teresa de Lisieux

Sucesso absoluto

Tinha tudo para ser esquecida bem depressa: nove anos de uma vida escondida num carmelo sem nada de famoso, e a morte, aos 24, de tuberculose. Nada de espetacular, nenhum grande gesto de heroísmo, desses que fazem parte da lista de virtudes heróicas dos candidatos à canonização. Filha de uma família piedosa com nove filhos (quatro morreram ainda na infância), o pai, Luís Martin, só não se tornou religioso por lhe ter sido recusado o acesso ao mosteiro – era fraco em latim. A mãe, Zélia, também sonhava com a vida religiosa – foi desaconselhada pela superiora do convento.

No carmelo, a pequena Teresa viveu o cotidiano na simplicidade, mas o viveu intensamente. A paixão e o amor que a moveram ficaram registrados num manuscrito de 80 páginas, um outro de 36 e um terceiro, bem menor, de uma dezena de páginas.

É desses manuscritos, cheios de erros ortográficos, que será depois confeccionado o livro "História de uma alma" – a alma de Teresa do Menino Jesus. Precisou corrigir e reorganizar as frases. Algumas partes, inclusive, foram cortadas, por terem sido julgadas muito íntimas. Foram colocados capítulos, uma introdução e uma conclusão.

Virou um best-seller, correu o mundo e faz sucesso ainda hoje. E gerou outros tantos livros sobre a santa: são cerca de 4.600 títulos, sem falar de vídeos e filmes, estima Guy Gaucher, bispo-auxiliar de Bayeux e Lisieux. Hoje, ele diz, sai um livro a cada oito dias, e o fascínio não acabou.

"Foi escrito muito sobre Teresa, mas não tudo. Quando uma pessoa como Hans Urs von Balthasar escreve um livro de 450 páginas sobre ela, é porque vale a pena. Como teólogo, ele não era de se interessar por qualquer bagatela." O próprio Gaucher trabalhou anos e anos, em equipe, para lançar uma edição do centenário, intitulada "História de uma vida: Teresa Martin". Ele lembra um detalhe que contribuiu para difundir a imagem da santa: o fato de Celina, irmã de Teresa, ter chegado ao carmelo com uma máquina fotográfica. Algo incomum na época, as fotos levariam tempo para ser mostradas.


Doutora da Igreja

Beatificada em 1923, canonizada em 1925, declarada padroeira das missões em 1927 e segunda padroeira da França em 1944 (a padroeira principal é Santa Joana d'Arc), Santa Teresinha do Menino Jesus recebeu mais um título, e dos mais importantes do catolicismo, em outubro passado, ao ser proclamada Doutora da Igreja pelo papa João Paulo II.

Surpresa, novamente. A maior parte dos 32 Doutores da Igreja são eminentes teólogos ou escritores cristãos dos primeiros séculos do cristianismo, todos homens, reconhecidos em virtude da ortodoxia de seu pensamento, da santidade de sua vida e da importância de sua obra.

Teresa de Lisieux – que nunca estudou teologia, tinha uma formação escolar média e quase nada conhecia do mundo além do seu carmelo, onde ingressou com a idade de 15 anos – é a terceira mulher a receber esse título. As outras duas são Santa Teresa d'Ávila e Santa Catarina de Siena, proclamadas Doutoras pelo papa Paulo VI, em 1970.

Um gesto do mais alto reconhecimento "à maior santa dos tempos modernos", como a ela se referiu o papa Pio X. Ela que deixou registrado o seguinte pensamento em seus manuscritos, que escreveu a pedido de sua irmã mais velha, Agnes, priora do carmelo de Lisieux:

"Jesus não precisa de livros nem de doutores para instruir as almas. Ele, o Doutor dos doutores, ensina sem ruído de palavras... Nunca o ouvi falar, mas sinto que está dentro de mim a cada instante. É quem me orienta, inspirando-me o que devo dizer ou fazer. Descubro, exatamente no momento em que tenho necessidade, luzes até então nunca vistas. Não é muitas vezes durante a oração que são mais abundantes, mas no meio das ocupações do dia-a-dia".