Sínodo para a América

Consenso até demais

Aconteceu em Roma, de 16 de novembro a 12 de dezembro, reunindo pela primeira vez bispos católicos de todo o continente americano. Tema do encontro: "Jesus Cristo vivo, caminho para a conversão, a comunhão e a solidariedade na América".


Paulo Pereira Lima


Doze de dezembro de 1997, festa de Nossa Senhora de Guadalupe, a padroeira da América Latina. Em Roma, chega ao fim o Sínodo para a América.

Foi quase um mês de bastante reza, pouca profecia e uma maratona de debates, tendo como pano de fundo o tema "Jesus Cristo vivo, caminho para a conversão, a comunhão e a solidariedade na América".

Na Basílica de São Pedro, cânticos em gregoriano e leituras em latim, compreensível a poucos, dão o ritmo à celebração de encerramento, presidida pelo papa João Paulo II.

Quem esperava uma missa "mais alegre", com alguma coisa típica do continente, um instrumento musical, uma dança ou coisa parecida, voltou para casa frustrado. É o caso de Pilar Rios, que chegou cedo, com a intenção de pegar um lugarzinho bom para ver o papa.

Imigrante chilena, ela dirige uma comunidade cristã latino-americana em Roma. É gente que veio ao Velho Mundo em busca de trabalho. Na comunidade de Pilar, festa e alegria nunca faltam, apesar dos problemas que ela e todos os imigrantes enfrentam no dia-a-dia.


Início de um caminho


Pilar não sabe, mas o fenômeno das migrações – sobretudo de latino-americanos rumo aos Estados Unidos – foi um dos muitos temas abordados pelos cerca de trezentos participantes do sínodo (bispos, cardeais, religiosos, religiosas, sacerdotes e uns poucos leigos).

Reunidos pela primeira vez num grande encontro desse gênero, convocado pelo papa, os representantes católicos dos quatro cantos da América – desde o gigante Estados Unidos até o pequeno e pobre Paraguai – tiveram a chance de, juntos, tentar colocar a Igreja em dia com os grandes problemas e desafios que afligem os países americanos. Sem esquecer os problemas das relações entre os países ricos e os países pobres do mesmo continente.

A tarefa era de fato grandiosa e tem importância para o futuro da Igreja como um todo. É que metade dos 1 bilhão de católicos do mundo vivem hoje no continente americano.

Missão cumprida?

Parece que, ao final, a idéia dominante é de que o encontro serviu. Pelo menos como ponta-pé inicial para uma colaboração mais fraterna e solidária entre as Igrejas do Norte (Canadá e Estados Unidos) e as do Sul do continente (América Latina e Caribe). Poucos discordam disso.

Trata-se de um evento "com potencialidade de desdobramentos positivos para a Igreja no continente", escreveu o bispo Demétrio Valentini, de Jales/SP, um dos delegados brasileiros. Ele marca o início de um "novo relacionamento" entre os bispos de toda a América.


"Para a América"


Até onde foi de fato "americano" o Sínodo "para a América"?

Os mais críticos falam de centralismo na condução do evento, desde o momento de sua preparação. Reclamam da pouca ou quase nenhuma participação das comunidades, grupos e lideranças católicas em todo o processo. Falam do controle da cúria romana (o conjunto de organismos centrais da Igreja católica, sediados no Vaticano).

Um sínodo "para a América", em vez de um sínodo autenticamente "americano"?

Já no primeiro dia, o cardeal Jan Schotte, responsável pela secretaria do sínodo, mandou um recado aos participantes: o encontro "não seria uma convenção política, nem um parlamento democrático".

Obter informações não foi tarefa fácil. É como se tivesse sido montada uma enorme redoma de vidro, com o objetivo de não deixar que os jornalistas soubessem do que os bispos andavam falando, quais os temas mais quentes, os problemas, as divergências.

Cercado de cuidados, a verdade é que o sínodo, em geral, foi ignorado pela grande mídia européia. Não ganhou destaque nem mesmo no jornal da conferência dos bispos italianos, o Avvenire.


Temas ausentes


Se ao tratar de temas sociais os bispos tiveram em geral bastante coragem (veja quadro), o mesmo não se pode dizer em relação a assuntos mais ligados à vida e organização da Igreja no continente.

Na avaliação do teólogo chileno Pablo Richard, o sínodo perdeu a grande chance de aprofundar "temas urgentes". Como, por exemplo, o método de nomeação de bispos, o papel da cúria romana, as comunidades eclesiais de base e a participação da mulher e dos leigos na Igreja.

Richard acredita que a "Instrução sobre os leigos na vida da Igreja", publicada dias antes do início do sínodo, de visão conservadora, contribuiu, e muito, para abafar a discussão sobre temas considerados "quentes". Segundo ele, a grande preocupação dos bispos, hoje, seria "ter mais sacerdotes, melhor preparados e mais santos".

A teologia da libertação também foi considerada uma grande ausente. Membro da comissão de imprensa do sínodo, o bispo de Mariana/MG, Luciano Mendes de Almeida, concorda apenas em parte. Com a experiência de quem já participou de cinco sínodos, ele defende que a reflexão teológica latino-americana, embora não explicitamente citada, "permeou todos os trabalhos e discursos dos bispos".


Desequilíbrio


Não se pode esperar de um sínodo mais do que ele pode dar, principalmente se realizado em Roma e com uma forte presença de representantes da cúria romana, argumenta o teólogo brasileiro José Oscar Beozzo. Ele lembra que os bispos não têm nenhum poder de decisão em um encontro desse tipo.

Na ponta do lápis, Beozzo calcula o número dos participantes eleitos diretamente pelas conferências episcopais e o dos que foram nomeados pelo papa. O saldo é positivo para Roma.

"Isso, sem dúvida, causou desequilíbrio na composição do sínodo, que era destinado a fazer ecoar junto à Sé romana a voz das Igrejas do continente, suas dificuldades e esperanças."

Ele considera ainda que esse fato ajudou a estreitar os "espaços de liberdade". Funcionou como fator de inibição, no momento em que alguém queria tratar a fundo temas mais espinhosos, como a questão da mulher e a reforma das estruturas da Igreja.


Documento final


Será que sínodos como esse vão acabar substituindo as grandes assembléias de bispos latino-americanos?

Essa questão é levantada por todos os que defendem a importância dessas assembléias para a caminhada da Igreja na América Latina.

Beozzo torce para que isso não aconteça. Mais direto, o bispo Pedro Casaldáliga, de São Félix do Araguaia/MT, falando de suas expectativas para o grande encontro em Roma – de que não participou –, bate mais duro: "Se isso vier a acontecer, além de uma grande decepção eclesial", o sínodo teria sido também "um desastre histórico, um golpe de morte para a Igreja da América Latina".

Além de uma Mensagem aos Cristãos da América (veja matéria a seguir), os bispos apresentaram ao papa uma lista de 76 propostas de consenso em torno dos assuntos discutidos.

Uma comissão eleita em assembléia – da qual fazem parte os brasileiros Demétrio Valentini e Luciano Mendes de Almeida – ficou encarregada de ajudar o papa na redação do documento conclusivo, a "Exortação pós-sinodal". A previsão é de que esse documento seja apresentado e assinado pelo papa ainda este ano.