Sínodo para a América

América de muitos rostos

O que diz a mensagem do sínodo aos cristãos e povos todos do continente.


Único documento votado e assinado por todos os bispos que participaram do sínodo – o resto foram propostas, encaminhadas ao papa em vista da "Exortação pós-sinodal" –, a Mensagem aos Cristãos de toda a América destaca a urgência da solidariedade entre o Norte rico (Estados Unidos e Canadá) e o Sul (América Latina e Caribe) do continente.

Falando das "alegrias e sofrimentos da Igreja na América", a mensagem registra "o peso carregado por famílias pobres que, por toda parte, buscam melhores oportunidades de vida".

Os bispos dizem que querem "estar do lado e prestar todo tipo de serviço aos imigrantes, que se sentem mal recebidos nas terras para onde se mudam". Eles sabem da "frustração e do sofrimento" impostos aos grupos minoritários e querem agir para que não seja assim.


Compromissos – Os bispos também se comprometem "a respeitar a cultura e a preservar o patrimônio dos povos indígenas da América", que tanto sofreram nestes cinco séculos por causa da avidez e da violência, e que sofrem ainda hoje, usufruindo "tão pouco da abundância que nossas terras produzem".

Os descendentes de africanos, por sua vez, "têm a alma marcada pelas feridas de séculos terríveis de escravidão". A Igreja quer se empenhar para que eles "desfrutem da plena dignidade de filhos de Deus".

A mensagem traz ainda uma análise sobre o mundo dividido em dois:

"No Norte, vemos com temor e preocupação o fato de se alargar sempre mais o abismo entre os que possuem em abundância e os que só têm o necessário". Enquanto isso, no Sul, "certas regiões sofrem condições tais de miséria humana que não podem ser conciliadas com a dignidade que Deus concedeu a todos os seus filhos".

Unindo-se ao papa para pedir o perdão parcial ou total da dívida externa, os bispos dizem que essa "não é a única causa da pobreza em muitos países em desenvolvimento", mas "não se pode negar que ela tenha contribuído para criar condições de extrema pobreza".


Solidariedade – Para responder aos desafios da Igreja no continente, os bispos querem somar forças e "dar continuidade às muitas formas de colaboração entre as Igrejas locais".

Eles acreditam que só a conversão "transformará a vida dos ricos e dos pobres, dos poderosos e dos fracos", e "recordará aos políticos sua responsabilidade em favor do bem comum".

Num mundo globalizado, a "nova evangelização" há de passar necessariamente pelo trabalho dos cristãos com os meios de comunicação.

Embora não cite um nome sequer dos mártires do continente, a mensagem lembra o exemplo de cristãos caluniados, torturados ou mortos "ao proclamar o Reino de Deus, exigindo justiça para os pobres e defendendo a vida e a dignidade humana".

Na conclusão, lê-se que "o encontro com Jesus Cristo conduz à solidariedade, que nos leva a amar o próximo pobre".

"À luz dessa solidariedade, neste planeta criado por um Deus que ama, não há lugar para guerras e conflitos, nem para a corrida armamentista." – P.P.L



Temas sociais

DÍVIDA EXTERNA – Cancelamento total ou pelo menos redução da dívida externa dos países pobres, como um autêntico gesto de jubileu do ano 2000.

A proposta, que há tempo vem sendo defendida pelo papa João Paulo II, converteu-se no tema principal das primeiras intervenções dos bispos durante o sínodo.

A dívida externa foi apontada como uma das principais causas do desemprego e do empobrecimento dos países latino-americanos e caribenhos. O que ela come faz uma falta enorme na mesa dos pobres, na educação, na saúde...

Vários foram os bispos que se lamentaram. Afinal de contas, essa é uma dívida maluca: paga-se e paga-se, e ela só aumenta. Apesar disso, não saiu do sínodo nenhuma proposta mais concreta de ação para enfrentar o problema.


MIGRAÇÕES – Não faltaram críticas à política dos Estados Unidos em relação aos imigrantes latino-americanos.

"Em vez de maior controle policial nas fronteiras, o que precisamos com urgência é de uma política de solidariedade para com os países pobres", cobrou o bispo estadunidense Patrick Flores, que há mais de quarenta anos trabalha com imigrantes, sobretudo mexicanos. Em sua diocese, no Texas, cerca de 60% da população é latino-americana.

Outros representantes dos Estados Unidos chegaram a reconhecer que sua Igreja ainda não sabe como se virar com toda essa gente de cultura e de tradição religiosa diferentes. Os imigrantes latino-americanos e caribenhos representam hoje pelo menos a metade dos católicos do país.


NEOLIBERALISMO – A corrupção das classes dirigentes, o narcotráfico e o comércio de armas também estiveram no banco dos réus. Foram considerados sérios obstáculos à justiça no continente.

Também sobrou para o neoliberalismo e a globalização. "Modelo injusto e desumano", o neoliberalismo condena milhões de habitantes do continente a uma vida das mais indignas.

Marcelo Carvalheira, arcebispo da Paraíba e um dos 22 delegados do Brasil, esclareceu que não basta combater "as conseqüências que esse sistema de morte produz". É urgente buscar alternativas.

Foi bem acolhida pelos participantes a proposta do presidente da conferência episcopal peruana, o bispo Luís Morales Reyes, de que seja elaborada uma encíclica sobre "ética e globalização econômica".


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Negros e índios

Seis bispos negros e dois indígenas – e isso é tudo, entre os cerca de trezentos participantes. A falta de representatividade, porém, não livrou o sínodo de ter que escutar a voz incômoda de uns e de outros.

O bispo indígena estadunidense Donald Edmund Pelotte, do Arizona, reivindicou maior envolvimento da Igreja na defesa dos direitos sociais dos povos indígenas, e nisso contou com o apoio de um outro bispo indígena, Toribio Ticona, de Corocoro, na Bolívia.

Para Toribio, a Igreja precisa ter um rosto mais indígena e, também, mais negro. Ele convidou os colegas a "aprofundar os incipientes esforços de inculturação no meio dos pobres, povos indígenas e afro-americanos".

Os problemas ligados ao racismo na sociedade e na Igreja foram levantados em assembléia por Jacqueline Wilson, uma professora de Washington, nos Estados Unidos, e pelo cardeal africano Bernardin Gantin, responsável pela Congregação dos Bispos no Vaticano.

Jacqueline, que trabalha na pastoral afro-americana em sua arquidiocese, defendeu a idéia de que a Igreja precisa pedir perdão aos negros pelo fato de ter se envolvido com o passado de escravidão no continente.

Seu desejo não foi bem acolhido pelos bispos, e o que ela disse acabou sumindo no complicado caminho de elaboração e votação das 76 propostas que servirão de base para um futuro documento sobre o sínodo.