Guarani Kaiowá - 2

Pelo direito de viver


Os Kaiowá fazem da luta pela terra o marco principal de sua resistência como povo.


Paulo Lima


"Sem terra, o índio não tem onde plantar, caçar, pescar, fazer festas.
Ele fica abandonado, triste, e vai morrendo aos poucos."


O cacique Zeferino Mendes, da aldeia Jaguapiré, município de Tucuru, vê na falta de terra a explicação para o fenômeno do suicídio dos parentes kaiowás. Trata-se de um "genocídio moderno", que "utiliza a mão e o coração do índio desesperado".

Zeferino participa das assembléias da organização Aty Guasu, que reúne pajés e caciques das 22 aldeias do Mato Grosso do Sul e representa a região no Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil (Capoib), fundado em 1992.

As lideranças do Capoib estão convencidas de que a luta pela terra deve unir índios e sem-terra, "a união da flecha com a foice". Manifestações em favor da reforma agrária e justiça no campo vêm sendo organizadas em parceria com o Movimento Sem Terra.

Para reverter a situação, no caso dos índios, só mesmo a retomada das terras ancestrais, sustenta Zeferino. Não está com medo: "Vamos lutar, sim, e acelerar o processo de reconquista das terras invadidas. Estamos prontos para morrer e matar, se for preciso".


ROLO COMPRESSOR – A luta atual pela posse da terra começou faz quase vinte anos, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e de outras entidades aliadas dos índios. Duas das comunidades, Guaibé e Rancho Jacaré, conquistaram em 1984 o reconhecimento do seu pedaço de chão.

A luta continua em outras dez áreas, fazendo aumentar os casos de violência, com despejos, ameaças e assassinatos. As comunidades reivindicam 14 mil hectares no total. A aldeia Paraguassu, no município de Paranhos, sofreu até hoje sete despejos.

"Ou os índios retomam as suas terras, com todos os riscos que isso tem, ou o rolo compressor neoliberal acaba por extingui-los", enfatiza Maucir Pauletti, do Cimi-MS, que acompanha de perto a luta da aldeia Jarará, no município de Juty.


GOVERNO OMISSO – Em março, os índios da aldeia Jarará reocuparam na marra as suas terras, depois de sofrer três ações de despejo violento nos últimos anos. A área, demarcada e homologada pelo governo federal desde agosto de 1993, está sendo reivindicada pelo fazendeiro Miguel Subtil de Oliveira. Uma liminar da 2ª Vara Federal de Campo Grande em favor do fazendeiro proibia aos índios a entrada na aldeia.

É grave também a situação dos índios de Sete Cerros, no município de Coronel Sapucaia. Em 1991, o governo demarcou 9 mil hectares, mas a maior parte das terras está em poder da Sattin/SA Agropecuária e Imóveis.

O Decreto 1775, assinado pelo presidente Fernando Henrique em janeiro deste ano, favoreceu a empresa. Idealizado pelo ministro da Justiça, Nélson Jobim, o novo decreto abriu espaço para que a empresa contestasse a demarcação na Justiça.

No início de julho, após avaliar o pedido de contestação, Nélson Jobim determinou o reestudo da área. O Cimi acredita que esse seja o primeiro passo para reduzir ainda mais os limites da área de Sete Cerros e dar ganho de causa à Sattin/SA.

Em carta divulgada após a sua última assembléia, no final de julho, as lideranças kaiowás voltaram a exigir do governo a imediata demarcação de todas as terras de onde os índios foram expulsos e a retirada dos invasores das áreas já demarcadas e regularizadas.

As duas medidas dependem exclusivamente da vontade política do governo. O que os Kaiowá estão pedindo não é nada mais do que determina a Constituição brasileira. P.L.



Guarani Kaiowá

No passado, os Guarani Kaiowá eram donos de um território que se estendia da região oriental do Paraguai até Dourados, cerca de 4 milhões de hectares com matas, rios e animais para a caça.

Em 1882, o Império arrendou o território à Companhia Mate Laranjeiras. As matas foram derrubadas e no lugar delas surgiram imensas plantações de erva-mate.

Em 1915, o Serviço de Proteção ao Índio – a Funai de antigamente – iniciou as suas atividades demarcando uma área de 3.600 hectares para os Kaiowá, a primeira reserva indígena na região. Em 1928, as reservas eram oito, somando 18.297 hectares.

A violência foi a marca registrada de todo esse processo. Os índios eram arrancados de suas terras tradicionais e jogados nas áreas estabelecidas pelo governo. A queima de casas e roças acompanhou os despejos. A ação de aldeamento forçado aconteceu junto com a expansão das fazendas e empresas agropecuárias na região. Gado, soja e cana-de-açúcar tomaram conta dos campos e cerrados. As matas desapareceram.

Hoje, os Kaiowá estão confinados em 22 áreas, num total de 41 mil hectares. O superpovoamento é em grande parte resultado da chegada de novas famílias expulsas de suas terras. Segundo o Cimi, a Funai tem oscilado entre a completa omissão e a colaboração com os fazendeiros na tranferência dos índios dos seus territórios tradicionais.

Outros povos indígenas do Mato Grosso do Sul, além dos Kaiowá (25 mil pessoas) e Nandeva (5 mil), lutam pela demarcação das terras: Guató, Kadiwéu, Terena e Ofayé Xavante.


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