Mês Missionário

Ide ao povo asiático!

O que pode acontecer quando a questão é anunciar às populações do continente asiático as boas notícias que Jesus trouxe.


Da Redação


Os números podem não ser exatos, mas revelam muita coisa: vivem na Ásia, aproximadamente, 3,5 dos 5,6 bilhões de habitantes do planeta. Os cristãos, quando muito, chegam a 4% de toda essa população e, sozinhos, os católicos somam menos de 3%. Com um detalhe: mais da metade dos cristãos católicos asiáticos (cerca de 50 milhões) vive num único país – as Filipinas.

A presença cristã, na Ásia como um todo – sempre em termos numéricos –, é tida em geral por insignificante. Não chega a 1%, ou passa muito pouco disso, na maioria dos países, incluídos os gigantes China (mais de 1,2 bilhão de habitantes) e Índia (900 milhões), que abrigam um terço da população mundial.

Por si mesmos, os números fazem entender por que a Ásia ocupa hoje o centro das preocupações missionárias da Igreja católica, e das Igrejas cristãs em geral. "Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Notícia a todas as criaturas", disse Jesus. Com a força e o empenho que brotam deste mandato, os cristãos sentem-se no dever de ir e anunciar. A Ásia convoca...


Grandes religiões


Mas a Ásia também desafia, e muito. Para começar, o continente é o berço histórico das grandes religiões da humanidade, que têm raízes muito profundas na vida, história e sociedade de grande parte dos países asiáticos. E não consta que os seguidores dessas religiões tenham uma disposição natural para renunciar à sua fé e abraçar o cristianismo. O cristianismo, aliás, que também surgiu na Ásia, na parte ocidental do continente, mas que, por muitas razões, acabou virando a religião dominante desta parte do mundo onde estão a Europa e a América.

Nascido na Índia há mais de cinco milênios, o hinduísmo – ou "religião eterna" – conta hoje com pelo menos 650 milhões de seguidores, a grande maioria na própria Índia.

Na Ásia também tiveram origem, o budismo (300 milhões de seguidores), o confucionismo, o taoísmo e o shintoísmo. No século sétimo, sempre na Ásia, Maomé fundaria o islamismo, a religião atual de 700 milhões de asiáticos.

Hinduísmo, budismo e islamismo, as três maiores religiões do continente, têm juntos mais de 1,6 bilhão de seguidores em toda a Ásia. E eis aí o primeiro e grande desafio para o trabalho missionário cristão, que pode ser resumido numa frase: "Ide ao povo asiático, rico de fé, tradições e valores religiosos!".

É isso que levou os bispos asiáticos a dizer que é preciso entender bem o termo "pobre", quando se diz que a pobreza mais miserável toma conta de vastas regiões do continente: "O nosso povo não é pobre em termos de tradições culturais, valores humanos e conteúdos religiosos. Pelo contrário. No campo espiritual, o nosso povo é riquíssimo".


Deus de coração grande


Respeito é bom, e todo mundo gosta. A idéia de um cristianismo apressado e proselitista, que chega para convencer e converter todo mundo, encontra, pois, sérias barreiras na Ásia. Mas os tempos mudaram, e mudou também a concepção de missão. Antes se dizia que "fora da Igreja não existe salvação". Não é verdade – e é a própria Igreja quem ensina isso.

No Concílio Vaticano II (1962-65), pela primeira vez de forma oficial e muito clara, a Igreja falou das outras religiões de forma positiva. Deus tem um coração grande. Sua "vontade salvífica" atinge todo o universo. Ele sabe o que faz, ainda que o seu modo de agir seja muitas vezes desconhecido.

Não é a única novidade. Outras afirmações conciliares representam um avanço considerável na maneira de a Igreja entender a salvação que Deus oferece. Por exemplo, a idéia de que é preciso respeitar a consciência e a liberdade religiosa de cada um. Ou essa outra: de que todos os povos partilham uma mesma origem e buscam uma meta comum – Deus. Ou, ainda, de que existem "sementes do Verbo" em outras tradições religiosas.


Discurso diferente


Cristo morreu e ressuscitou por todos, para todos. Também para os asiáticos. Praticando o que é bom em suas próprias tradições religiosas e seguindo os ditames de sua consciência – ensina o Concilio –, os fiéis de outras religiões participam da salvação oferecida por Cristo.

Em resumo: os não-cristãos podem alcançar a salvação, não apesar da sua religião, ou a partir de fora dela, mas, antes, através da prática sincera de sua própria religião.

Pode parecer complicado, mas não parece ser outra coisa que move o padre Renato Rosso em seu trabalho junto aos ciganos do Bangladesh (veja entrevista nesta edição). Ele explica que tenta ser "cristão autêntico" no meio de muçulmanos e hinduístas e que procura trabalhar para que as pessoas que o acolheram sejam também autênticas em sua fé de origem.

Respeito, amizade, caminho comum e outros termos da mesma família fazem hoje parte ativa do discurso e das práticas missionárias cristãs mais avançadas. A Ásia, onde isso se faz realidade, agradece. Onde o discurso e a prática são outros, ocorre o fechamento.


Diálogo de muitas faces


"Jesus não é inimigo de nenhuma religião", diz outro entrevistado, o padre e teólogo jesuíta Aloysius Pieris, do Sri Lanka (veja matéria seguinte).

Pieris critica duramente o modelo de cristianismo "impregnado da ideologia agressiva do proselitismo". Em sua visão, é esse o modelo que continua a ser difundido, predominantemente, na Ásia. A saída para os impasses criados – sublinha Pieris – passa pelo diálogo com as grandes tradições religiosas do continente. Um diálogo que significa, antes de tudo, trabalhar juntos "contra os falsos deuses que usurpam o lugar do verdadeiro Deus".

Algo semelhante disseram os participantes do Sexto Encontro Asiático de Budistas e Cristãos, realizado recentemente na Tailândia. Para trabalhar em benefício da paz e da harmonia no mundo, cristãos e budistas precisam promover a harmonia entre si mesmos, "através de um autêntico diálogo e do respeito mútuo". E avançam um discurso que lembra as opções mais corajosas da Igreja católica – e de outras Igrejas irmãs – na América Latina: "Queremos promover juntos os direitos dos pobres e oprimidos, e não hesitaremos em condenar toda forma de injustiças".

Diálogo e respeito são os grandes temas do debate sobre o trabalho missionário hoje, na Ásia como em outras partes do mundo. Um diálogo que não consiste apenas, ou principalmente, em falar da própria fé e ouvir o que os outros têm a dizer. Inclui as dimensões da oração e da espiritualidade, da convivência e também do compromisso comum em benefício da melhoria das condições de vida da população, do respeito aos direitos humanos, da paz, da preservação da natureza.


Barreiras e dificuldades


Fim do vigor missionário de outrora? Fim da alegria de proclamar o Evangelho? Não. O que se anuncia, no nível do discurso e do trabalho missionário de ponta, é o fim de um modelo que hoje já não funciona. Não está em discussão o fato de que o Evangelho merece e deve ser proclamado. As grandes questões que se levantam giram em torno dos modos como esse anúncio se deve dar.

O testemunho – insiste João Paulo II na encíclica "A missão do Redentor", de 1990 – "é a primeira forma de evangelização". E o "diálogo autêntico" pressupõe, sim, o testemunho das partes dialogantes.

Nessa mesma encíclica, João Paulo chama a atenção para "a validade permanente do mandato missionário". Porque não é verdade que as novas idéias, no campo da missão, devem levar ao comodismo. Continua válido que é preciso "ir pelo mundo inteiro e anunciar o Evangelho a toda criatura". E, em se tratando de ir, a Ásia convoca.

De novo, os desafios. Porque o cristianismo, na Ásia, carrega o fardo pesado da tradição colonialista do Ocidente. É ocidental demais. É visto como uma ameaça às culturas do continente.

Não é por acaso que os bispos asiáticos, em sua primeira assembléia plenária, no ano de 1974, tenham chegado à conclusão de que é preciso "encarnar a mensagem do Evangelho e a vida de Cristo" na vida dos povos asiáticos. Falam de inculturação, que significa "uma Igreja em contínuo, humilde e amoroso diálogo com as tradições vivas, as culturas, as religiões".


Igreja serva


Está pois colocada a urgência de fazer com que a Igreja adquira um "rosto próprio", local, como condição fundamental para um diálogo verdadeiro com tradições religiosas e culturais ancestrais.

"O fato de os povos orientais pertencerem a antigas e consolidadas tradições religiosas e culturais levanta ainda mais interrogativos para o anúncio do Evangelho do que a grave condição de pobreza difundida no continente asiático", escreve Giorgio Licini, na edição de junho da revista italiana "Jesus".

A idéia dominante, porém, é que esse desafio imenso começa a ser enfrentado, de forma esperançosa, lá onde os cristãos renovam hoje o testemunho de Jesus junto às populações pobres, marginalizadas, excluídas.

E aí, mais uma constatação intrigante. "A Igreja sempre se dedicou aos pobres, mas observamos que as nossas instituições e serviços transmitem a imagem de riqueza, causando distância em relação aos pobres", reclamavam, há vinte anos, os participantes de um encontro promovido pelo Instituto Episcopal para a Ação Social.

Não é apenas questão de imagem, como constatam outras vozes críticas. Parece certo que o caminho do anúncio do Evangelho na Ásia passa primordialmente pela conversão aos pobres.

Quando a questão é dialogar, no nível da fé, com outras religiões, nada melhor do que começar pelo que de mais fundamental Jesus ensinou e viveu: o amor e a misericórdia para com os últimos, os deserdados, sinal maior do amor e da misericórdia do Pai celeste para com todos os seus filhos e filhas, do mundo inteiro.


Veja também: Evangelho em asiático

Entrevista com o teólogo Aloysius Pieris