Internet e missão

Novos mares pra navegar

"Ide pelo mundo afora",
agora também via computador.


O cacique Pedro Guanikeyu Torres, de Porto Rico, ligou o computador e acessou o Calendário Afro-ameríndio, uma das páginas que a Biblioteca Comboniana Afro-brasileira, de Salvador, mantém na Internet. Minutos depois, chegava um e-mail (mensagem eletrônica) ao computador de Heitor Frisotti, o responsável, com um pedido: era para incluir a data do "renascimento" dos Taína, uma nação indígena, em 18 de novembro de 93.

Heitor fez a inclusão, sem maiores problemas. Ao responder à mensagem, agradecendo, Pedro Guanikeyu perguntou como fazer para encontrar os seus antepassados, os Aruaque. Séculos atrás, os Taína, que provêm dos Aruaque, migraram para o norte dos Estados Unidos e as ilhas do Caribe.

Heitor passou a mensagem adiante, para dois endereços que conhecia. Um dia depois, chegava a resposta, vinda de Brasília, avisando que tinha sido feito o contato com os Aruaque e que o cacique porto-riquenho já estava avisado. "Fiquei surpreso. Em dois dias, os Taína conseguiram o que não puderam fazer em séculos, e que talvez fosse impossível sem a Internet."


AMPLIAÇÃO DA LUTA – É um dos casos contados por Heitor Frisotti, 43 anos, da congregação dos missionários combonianos, para ilustrar como é possível, através da Internet, "ampliar e continuar a luta em defesa dos pobres e dos seus direitos".

Um outro caso aconteceu nos dias do massacre de sem-terra em Eldorado dos Carajás/PA, em abril. A denúncia foi veiculada pela Internet para o mundo inteiro, e choveram mensagens de protesto, indignação e solidariedade. Gente do Brasil e de muitos outros países escreveu para o presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro da Justiça, Nélson Jobim, cobrando a apuração das responsabilidades e punição para os culpados.

"Foi um dos poucos casos em que o governo logo tomou posição contra a polícia militar e encaminhou providências, inclusive, para a desapropriação da fazenda", lembra Heitor. "A pressão nacional e internacional foi muito forte, e acho que o protesto que nós e outros veiculamos pela Internet teve muito peso nisso."


ZUMBI DOS PALMARES – "Hoje, a Internet se apresenta como um caminho a ser percorrido para pregar a Boa Nova de Jesus Cristo. Por isso, estamos aqui", escreve o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o bispo Raymundo Damasceno Assis, na página que introduz o navegador da Internet numa lista de serviços informativos fornecidos pela conferência dos bispos.

Como muitos outros pelo Brasil e o mundo afora, Heitor acredita que a Internet "é um espaço que não pode ser desprezado" (veja entrevista). No ano passado, quando um grupo de organizações não-governamentais (ONGs) da Bahia se organizou para criar um Ponto de Presença (POP) não-comercial na Internet, ele e os companheiros de equipe tomaram a decisão de participar. O nome da associação não poderia ser mais sugestivo: Zumbi, o líder máximo do Quilombo de Palmares.

Hoje, o POP Zumbi reúne cerca de vinte ONGs, mantém parceria com outras redes internacionais e oferece páginas Internet sobre os mais variados assuntos: direitos humanos, educação, ecologia, racismo, bíblia e muitos outros. Um abaixo-assinado pede a canonização do bispo-mártir Oscar Arnulfo Romero, de El Salvador. "Que eu saiba, é o primeiro pedido de beatificação pela Internet", conta Heitor.


SEM FRONTEIRAS – Heitor reconhece não só as possibilidades, mas também os limites da Internet. Por exemplo, fica difícil para os pobres ter acesso, porque precisa de computador, telefone, inscrição num provedor de serviços, etc.

Outro limite é a ilusão de se estar em contato com todo mundo, às vezes esquecendo quem está perto. "A informação não substitui a ação", adverte Heitor. Ele lembra, nesse contexto, uma dica que acompanhava o convite para participar de uma manifestação: "Repasse para os outros, mas não se esqueça de que não se faz solidariedade só sentado diante do micro".

Esses e outros limites à parte, Heitor está convencido de que vale a pena investir. Continua se dedicando ao estudo das questões do racismo e do diálogo inter-religioso, acompanha grupos e comunidades, presta assessoria, faz celebrações. E ao lado de tudo isso, ainda encontra tempo para divulgar informações e trocar materiais pelos mares da Internet, cultivando a "esperança num possível futuro melhor".

Integrante da equipe de redação de SEM FRONTEIRAS, desde o ano passado ele coloca mensalmente a revista na Internet. É assim que SEM FRONTEIRAS se tornou a primeira revista católica do país a poder ser acessada, via computador, em qualquer parte do mundo. "Afinal de contas, o nome da revista combina bem com a Internet, não acha?", ele diz.


Entrevista


Missão e Internet. São conciliáveis?
HeitorIsso é mais ou menos como perguntar se missão e telefone, missão e avião ou missão e revistas são conciliáveis. Para alguns tipos de presença pastoral e evangelizadora, sim. Para outros, não mesmo.


Por exemplo...
Para quem trabalha com meios de comunicação, informação ou contatos internacionais com pessoas e entidades do mundo inteiro, acho que é quase indispensável. É muito útil, também, para instituições que trabalham com direitos humanos e precisam espalhar informações e denúncias por aí. Já para alguém que quer viver como pobre entre os pobres, anunciando um Cristo simples e solidário... Bem, acho que não iria querer ter um computador em casa e mexer com a Internet o dia todo, assim como provavelmente não iria querer usar carro ou telefone.


Jesus usaria?
Não consigo imaginar. Mas um evangelista ou um apóstolo, como São Paulo, sem dúvida. Afinal, foi algo parecido que ele e outros fizeram naquele tempo: usaram textos escritos, que eram o meio mais rápido e mais facilmente reproduzível em lugares distantes. Apesar de que isso iria tirar uma certa "alma" do testemunho pessoal. Para isso, é insubstituível a comunidade.


Apesar de tudo, você parece muito confiante no poder da Internet...
Nem tanto. O que eu quero dizer é que é um espaço que não pode ser desprezado. É possível usar a Internet para favorecer a comunicação, o intercâmbio e a solidariedade entre os pequenos, reduzindo o tempos, distâncias e custos de tudo isso. Como dizem Pedro Casaldáliga e José Maria Vigil na Agenda Latino-Americana 96, é possível uma outra globalização. É possível usar essas facilidades de comunicação para ajudar a construir um mundo mais solidário, trabalhando juntos.