II Consulta de Teologia e Culturas Afro-americanas e Caribenhas São Paulo, 7-11 de novembro de 1994 |
Eleazar López Hernández
Cenami, México, 1994
3ª parte 11. Desafios da Teologia Índia
12. Perigos da Teologia Índia
13. Perspectivas de futuro
11. Desafios da Teologia Índia.A Teologia Índia de nossos dias tem muitos desafios a enfrentar. Menciono unicamente os que me parecem mais relevantes:
* Desafio da reconstrução do sujeito. Não se pode crer que haverá Teologia Índia hoje se o sujeito que a produz não está suficientemente consolidado em seu ser como povo.
* Desafio do manusear o espaço especificamente teológico (como reflexão e consciência). Não é recomendável seguir abordando a Teologia Índia, dando à expressão uma acepção indefinida que não pode precisar seu conteúdo.
* Desafio de dar resposta à história de hoje. A Teologia Índia se faz desde a vida e para a vida do povo, isto é, no trabalho cotidiano de buscar respostas adequadas a seus problemas históricos. Uma produção artificiosa da Teologia Índia, em laboratórios desvinculados do caminhar do povo, pode ser muito chamativa, mas sem sentido para as comunidades concretas.
* Desafio do acesso às fontes próprias. Repetidamente nossos povos perderam o acesso direto à sua memória religiosa mais antiga. É preciso ajudá-los a unir-se diretamente a estas fontes primigênias de sua identidade, de maneira sistemática e séria.
* Desafio da modernidade. A modernidade causa estragos em nossos povos por sua carga de secularismo e individualismo. Não obstante, é impossível escapar das influências desta modernidade. Como entrar em diálogo com ela para não só não ser desintegrados por ela, mas aproveitar de seus avanços modernos?
* Desafio de manusear as ferramentas e a linguagem "científicas". Com a finalidade de dialogar com o mundo exterior, nossos povos precisam saber manusear a linguagem não simbólica das sociedades modernas. Como fazê-lo sem perca da nossa palavra teológica e sem estar em desvantagem diante da palavra dos não indígenas?
* Desafio do diálogo inter-cultural. Dado o inevitável processo de integração planetária dos povos e suas culturas, é preciso que saibamos entrar em diálogo inter-cultural não só com povos como os nossos, mas com aqueles que procedem de culturas tecnicamente mais desenvolvidas.
* Desafio do diálogo inter-religioso. Nossos povos sempre estiveram em atitude de diálogo com os povos de religiões distintas. A prova é a síntese que conseguiram criar com as contribuições do cristianismo durante estes 500 anos. Apesar disso, nunca houve por parte das religiões dominantes a mesma atitude de diálogo. Hoje há indícios de uma mudança considerável neste sentido. Como tornar possível agora este diálogo inter-religioso em condições realmente favoráveis para nossos povos? Haverá que preparar o caminho para isso.
* Desafio da eclesialidade. Para os que, desde o interior de nossas igrejas, estamos comprometidos na Teologia Índia não só como pessoas individuais, mas como parte da instituição eclesiástica, faz falta caminhar neste processo junto com nossa igreja. Isso leva a assumir a eclesialidade não tanto como um limite, mas como um suporte decisivo para nossas ações. De que maneira viver esta eclesialidade sem que ela seja pedra de tropeço no caminhar de nossos povos?
Estes são alguns dos desafios previsíveis na tarefa de dar molde histórico ao caminhar teológico dos povos índios. Alguns já têm vias de solução na práxis dos que servimos aos nossos povos. Outros deverão ser enfrentados com audácia e espírito criativo. A experiência acumulada do passado será a referência obrigatória para encontrar caminhos novos à nossa teologia de séculos.
12. Perigos da Teologia Índia.Sempre fica nas Teologias Índias o perigo de converter-se somente em refúgio diante dos problemas da vida, isto é, em evasão da realidade, por não conhecê-la ou por considerá-la impossível de se transformar.
Também, pelos mesmos motivos, as Teologias Índias correm o perigo de encerrar a seu sujeito num gueto ou ilha, sacralizando-o, sem vinculação com os outros povos ou com os demais setores que formam o povo pobre. Ou, inclusive, propiciando um certo messianismo, que o converte no eleito para a salvação de todos os demais povos. Este perigo o correm sobretudo os povos majoritários ou que, historicamente, se sentiram "superiores" aos demais.
Do mesmo modo, existe nas Teologias Índias o perigo de arqueologismo, quando nossa gente acode a seus textos sagrados de referência, ou à sua tradição, com uma leitura fundamentalista que esquece que não estamos mais no passado, mas dentro de uma história que mudou radicalmente nossa situação de povos autosuficientes.
Outro perigo é a redução das Teologias Índias ao mundo do ritual - ritualismo normalmente cíclico -, sem referência à realidade histórica mutante (linear).
Também é grande o perigo da desintegração das Teologias Índias ao desclandestinizar-se, historicizar-se, modernizar-se ou verter-se numa linguagem não simbólica, e ao entrar em diálogo com outras teologias mais fortes.
Finalmente, o perigo da ideologização, isto é, do uso das fontes das Teologias Índias para interesses totalmente diversos de sua origem. Isto pode dar-se desde a perspectiva supostamente pura (dos indígenas) ou desde interesses da sociedade dominante ou inclusive do mundo cristão.
O que falamos até agora mostra até que ponto a irrupção dos indígenas no mundo de hoje, além de ser uma realidade complexa, constitui, para as sociedades nacionais e para as igrejas, um desafio de enormes proporções, pois exige transformações profundas dos esquemas de compreensão dos fatos, e de abordagem das soluções. Hoje, já não nos é possível seguir vendo aos indígenas com os mesmos olhos de antes, isto é, como objeto de estudo ou de ações integracionistas, mas como companheiros de caminho, como sujeitos protagonistas do nosso desenvolvimento e evangelização. E isto é o que atemoriza alguns membros da sociedade e da igreja. Por isso, os conflitos se agudizaram.
Sabemos que as igrejas particulares, em cujo seio se encontram os povos índios, são as primeiras a serem afetadas pela irrupção índia de hoje e, por isso, tem que atuar nesta conjuntura com audácia de espírito e com prudência pastoral, mas sempre com o Evangelho de Cristo diante dos olhos. Nós, membros destas igrejas particulares, que somos ao mesmo tempo parte dos povos índios, nos perguntamos, com certa angústia e esperança: o que fazer nestas circunstâncias, de modo que sejamos fiéis ao Evangelho em sua integridade e fiéis a nossos povos em seus anseios legítimos? O que fazer para que a evangelização não signifique, nos fatos, "conquista ou reconquista espiritual" de nossos povos para ligá-los a um modelo determinado de sociedade considerado explícita ou implicitamente cristão, mas que seja a plenificação em Cristo de nossos anseios humanos coletivos?
Cremos com otimismo que agora existem condições propícias para que nossos povos possam sair das cavernas - ou como vários irmãos dizem, desclandestinizar e desmascarar - para mostrar a plena luz a riqueza de sua sabedoria teológica milenária. Apesar do perigo de equivocar-nos, consideramos que vale a pena tentar abertamente o diálogo de teologias. A clandestinidade e a mascaragem já não são a melhor estratégia de sobrevivência. Devemos abrir-nos e fazer alianças críticas e proveitosas. As culturas indígenas podem hoje reformular-se e recriar-se no diálogo com as demais culturas para seguir não só vivas, mas mais dinâmicas no futuro.
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