MUTIRÃO PELA VIDA:
NOVO JEITO DE LER A BÍBLIA


BÍBLIA: MEMÓRIA E
MISSÃO DOS EXCLUÍDOS


Encontrei um padre que me recebeu assim: "Surfando, hein?!". Pois é, começamos a surfar e não largamos mais a prancha da Bíblia. Temos que treinar e ter cada vez maior intimidade com a Palavra de Deus. Não é suficiente jogar bola e entrar no time da seleção. É necessário ter intimidade com a bola. Lembro ainda o jogo de Escócia e Itália. Tudo corria bem, mas não finalizava. "O time da Escócia não tem intimidade com a bola!" acrescentou o comentarista. Assim também para nós, seguidores e seguidoras de Jesus Cristo, fica um desafio: ter familiaridade com a Bíblia, ter intimidade com a Palavra de Deus (Dt 34,10). Não basta olhar uma vez o álbum da comunidade. É necessário fazer memória de nossas raízes e missão. Na leitura da Bíblia descobrimos a nossa identidade, raízes e missão, como pessoas e comunidades. E em tudo isso, nos sentimos da mesma família de Abraão e Sara, de Jó e Raab, dos profetas e profetisas, dos apóstolos e evangelizadores... Somos um povo a caminho, temos uma missão a cumprir.


Bíblia: memória dos pobres


Na Bíblia descobrimos muitas histórias e até coisas que nunca teriamos imaginado. E o mais interessante, parece que está falando de reis, de pessoas importantes, mas lá embutido traz uma palavra, um gesto, o grito dos pobres e oprimidos. É só lembrar o capítulo 24 do livro de Jó para sentir esse grito profético de Jó. Às vezes, isso não aparece à primeira vista, mas afinando o nosso olhar percebemos como estão presentes na Bíblia mulheres e crianças, órfãos e estrangeiros, esmagados pelos impérios e como Deus tem "memória muito viva do mais pequeno e esquecido e daqueles que morrem antem de tempo!". A Carta aos Hebreus traz um detalhe muito significativo. Diz que Abel, pela fé, foi declarado justo. E que o sangue dele ainda fala, ainda clama! (Hb 11,4). Esse sangue derramado "do justo Abel até o sangue de Zacarias" (Mt 23,35) não será esquecido. E Jó (16,18) vai implorar que "a terra não cubra o sangue dele, nem encontre seu clamor descanso!" Um clamor que chega até o grito dos mártires do Apocalipse que se perguntam "até quando, até quando, Senhor?!" (Ap 6,9-10). Deus como não pôde esquecer o sangue de tantos mártires, semente de cristãos e de novas comunidades, também não pode se esquecer dos seus amigos e eleitos que "clamam a ele noite e dia, mesmo que lhes faça esperar um tempo breve"(Lc 18,7).

Por isso, hoje, jovens e comunidades, o movimento de luta pela terra, os excluídos, numa palavra, mantêm firme o compromisso e gritam por reforma agrária e trabalho, dando razão da esperança que faz viver e resistir (1Pd 3,15).

Essa memória dos pobres leva às raízes dos problemas. Ninguém prestaria atenção a um grupo de parteiras (Ex 1,15-22), mas foi o início da virada. Quem ia dar importância a Raab e quem ia lembrar o seu gesto de preservar a vida ameaçada? (Josué 2,1-21). E nós descobrimos que, na grande memória de testemunhas e antepassados, a história dela se tornou modelo e espelho onde gerações de lutadores pela justiça souberam contemplar novos rumos e propor como exemplo em tempos difíceis (Hb 11,31); também a Carta de Tiago (2,25), vai lembrar ao lado de Abraão, o pai do povo!.


Mutirão evangelizador


Hoje também encontramos gestos como aquele de Raab, de proteção à vida ameaçada. São multidão as pessoas e grupos que ficam de prontidão, vigiantes, de olho na vida, tão fragil e esmagada e, ao mesmo tempo, tão viva e teimosa. Nessas pegadas continuamos a missão profética dos pobres e a missão libertadora de Jesus: "Eu vim para que todos e todas tenham vida" (Jo 10,10). "Eu vim para evangelizar os pobres" (Lc 4,16-44; 7,18-23).

Vários pessoas poderiam contar como em situações difíceis preservaram a vida ameaçada . Uma mulher teve a coragem de separar dois que estavão brigando. E a coisa não ficou aí, quem tinha começado tudo, logo, depois daquele milagre-sinal da mulher, quando o outro companheiro tinha começado uma nova briga, foi lá e separou-os.

Lembro também outro caso que aconteceu num lugar da periferia de Salvador... Deus sabe onde! Chegou um jovem e foi apresentado ao padre, pedindo uma carona. O jovem não participava daquela comunidade. Participava de uma igreja evangélica no bairro vizinho. Uma carona é pouca coisa! Um mês depois, aquele mesmo jovem se apresentou na igreja, agradecendo a Deus pelo gesto que tinha salvado a vida dele!

Nós, como essa nuvem de testemunhas (Hb 11,1-40) que foram na nossa frente e seguimos as pegadas deles e delas, estamos escrevendo novas páginas de vida e esperança, de evangelho. Essa correnteza de Vida alegra o povo de Deus a caminho.

Estamos evangelizando como Jesus, anunciando a Boa Notícia do Reino, começando pelos Pobres e Excluídos. Isso chega a socavar os alicerces da sociedade baseada injustiça e na exclusão. Temos que descobrir as raízes que dão vida, que nos levam a reconhecer que os "excluídos, nós, somos pessoas!" como dizia dona Zunilda de Pudahuel reivindicando justamente "Respeito", o mínimo para que o Reino possa acontecer.


Agora entendo porque você parte!


Várias vezes me perguntaram o quê faço como missionário no Brasil.

- Dou Cursos Bíblicos, foi minha resposta.

É bom esclarecer de que vai o assunto. Para meu sobrinho José Maria tive que mostrar em que consistia tudo isso e a sua importância. Meu sobrinho me contava que, às vezes, se envergonhava de ter que dizer aos amigos que "tem um tio missionário" pois "como vai lhes contar que se dedica a uma coisa chamada cursos bíblicos?!. Olha que tornar-se missionário para isso!?"

Durante as ferias pude esclarecer melhor sobre o meu trabalho, a metodologia, o processo de formação, os conteúdos, a sede de formação do pessoal, a alegria de aprender e de viver o Evangelho, e o que aprendia dando cursos bíblicos e outros mil detalhes.

- Ah, isso já é outra coisa! Tio, por que vocês não fazem melhor marketing, melhor comercial de tudo isso?

- Ali eu não preciso. Talvez por aqui seja necessário explicar... e até realizar esse tipo de cursos.

O último dia fiz um pequeno poema, intitulado Ao Partir:

Eu parto
para contar histórias como Jesus,
que encantam as crianças e idosos,
e acordam os jovens e adultos.
"Se você quer... Venha! Vai ser feliz.
E muito mais: Fará felizes a mil"


Ficou uma xerox sobre a mesa. Meu sobrinho olhou e comentou: "Agora entendo porque você parte!"

Todo esse trabalho de aprofundamento bíblico é difícil, como sabemos, mas a alegria é muito maior ao vermos as dificuldades superadas e sentirmos que muitas pessoas, inclusive "camponesas tem havido [e há!- acrescento eu com alegria] que, possuindo e conhecendo só a Bíblia, leram e tiraram dela mais sabedoria, consolo e alegria que aquela que jamais possa tirar qualquer milionário mimado de sua valiosa biblioteca" (H. Hesse).

Esse tesouro da Palavra que gera Vida enche o coração e faz saltar de alegria como Jesus ao ver chegar os semeadores do Evangelho: " Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes essas coisas aos sábios e inteligentes, e as tem revelado aos pequenos" (Lc 10,21; Mt 11,25).


Justino Martínez Pérez


CEBI: Metodologia    Materiais CEBI - Bahia

Mutirão pela Vida:   Texto anterior   –   Próximo



CEBI Home Page
Retorna à Memória

Para maiores informações
envie e-mail para:

comboni@ongba.org.br