MUTIRÃO PELA VIDA:
NOVO JEITO DE LER A BÍBLIA


DEUS ESTÁ
NO FUNDO DO POÇO


Muitas pessoas, em situações difíceis, se questionam: onde está Deus! Essa pergunta é importante para compreendermos a Bíblia e o lugar onde podemos encontrar Deus. Uma história de ciganos diz que um dia, quando o papai fazia a barba, a filha de seis anos perguntou de repente:

- Painho, onde mora Deus?

- Num poço, respondi distraído.

- Oh, papai, disse ela meio descrente e surpresa.

Durante o café da manhã, a esposa perguntou ao marido:

- Que foi que você andou dizendo à nossa filha, acerca de Deus morar num poço?

- Num poço? - estranhei. Deixe-me ver: por que lhe teria dito isto?

E aí se lembrou de uma cena escondida na memória. Um grupo de ciganos havia parado junto a um poço. Um cigano me chamou particularmente a atenção. Havia tirado do poço um balde cheio de água e estava de pé, bebendo. Um pouco da água lhe escorria pela barba ruiva e segurava contra os lábios, com as mãos musculosas, o grande balde de madeira como se fosse uma xícara. Quando terminou, enxugou o rosto com a manga da camisa. Depois, inclinou-se e olhou para dentro do poço. Curioso, tentei subir na beirada do poço para ver o que ele estava observando. O gigante notou, sorriu e me levantou em seus braços.

- Sabe quem mora lá embaixo? - perguntou-me. É Deus! Olhe! E segurou-me na borda do poço. Lá, na água, como num espelho, vi meu rosto.

- Mas aquele sou eu!

- Ah, tornou o cigano, pondo-me no chão. Agora você sabe qual é a casa de Deus"(Neylor J. Tonin, Eu amo Olga e outras histórias, Vozes, 1994, p. 13-14).

Deus está no fundo do poço. Essa história, aparentemente simples, mas muito profunda vai orientar o rumo da nossa reflexão em três direções significativas, conforme o que cada pessoa que olhou no poço descobriu:


A menina pulou de alegria


Olhando no espelho da vida pessoal muitos descobrem o rosto de Deus, uma presença viva que muda o olhar e começam a enxergar um mundo por muito tempo desconhecido, e fascinante. Não é difícil ouvir essa voz de Deus. É muito familiar. Fala a nossa linguagem. O ditado não diz que Deus é brasileiro? Com certeza, Ele fala ao nosso coração (Is 40,3). Não fala difícil. Algumas pessoas pensam que Deus está bem no céu e ficam se perguntando: como subir até lá para ouvir a palavra? Outras pensam que Deus se encontra no além-mar: como atravessar, então, o mar para trazer essa palavra até nós, para ouvi-la e colocá-la em prática?

Mas essa Palavra está perto, "ao seu alcance: está na sua boca e no seu coração, para que você a coloque em prática" (Dt 30,11-14).

A menina olhando o poço "viu" onde estava Deus, o seu rosto se iluminou, pulou de alegria e disse ao seu pai: "Puxa, Deus está ai?" Saiu correndo e foi contar aos amigos do bairro: "Deus está com a gente! Ele está dentro de nós, já pensou?" E a alegria invadiu a garotada que continuou empinando arraia até o pôr do sol!

Dessa experiência forte com a Bíblia nos fala um lavrador de Pernambuco: "Fui notando que se a gente vai deixando a Palavra de Deus entrar dentro da gente, a gente vai se divinizando. Assim, ela vai tomando conta da gente e a gente não consegue mais separar o que é de Deus e o que é da gente. Nem sabe muito bem o que é a Palavra dele e a palavra da gente. A Bíblia fez isso em mim" (Por Trás da Palavra, n. 46 [1988] p. 28).


A mãe viu Deus na comunidade


A mãe foi também olhar o poço e descobriu que Deus estava no meio da família, da comunidade. No meio de nós, como diz a Liturgia. Mas, às vezes, nos perguntamos, em tempos de prova, como o povo de Deus na sua caminhada pelo deserto: "Está Javé no meio de nós, ou não?"( Ex 17,1-7).

Ao sermos solidários na dor descobrimos um rumo novo na vida. Experimentamos que: "Quem toma parte em teu prazer/ mas não na tua dor/ perde a chave/ de uma das sete portas/ do paraíso". Mas também sentimos a alegria que brota da solidariedade: "Pode-se esquecer/ a pessoa com quem a gente riu/ nunca aquela/ com quem a gente chorou" (K. Gibran).

E as comunidades partilham, com simplicidade, essa experiência e presença, pois "onde dois ou três estão reunidos em meu nome aí estou Eu no meio deles" (Mt 18,19-10). Os missionários e missionárias que participam das Santas Missões Populares sabem disso muito bem e se alegram com essa visita e presença de Deus.


Deus está no fundo do poço!

O pai olhou e refletiu sobre as palavras que tinha dito a sua filha e teve certeza que Deus está "no fundo do poço". Lembrou que quando a situação aperta, sentimos que estamos no fundo do poço, num beco sem saída! Achamos que estamos sozinhos, como Elias, sem ver que são "sete mil" as pessoas que ficaram fieis ao Senhor (1 Rs 19,18).

O processo de libertação pode também demorar anos em chegar, porque o povo, quando está em situações de opressão, não acredita facilmente. Moisés falou da experiência do Deus libertador e da promessa de uma nova vida na partilha, na igualdade e na liberdade, "mas eles não fizeram caso, porque estavam no limite da resistência, por causa da dura escravidão" (Ex 6,1-9).

Muitos sabem aproveitar-se dessa situação do povo de hoje e falar bonito. Podem até fazer uma romaria a um santuário famoso para de tudo levar vantagem e aconselhar com muita facilidade: "Vá na próxima capela e acende uma vela para não passar fome. Quem ajuda é o Senhor do Bonfim...", como diz a música.

Deus, porém, não está longe de quem busca, de quem é esmagado, das multidões de mulheres, homens, jovens e crianças que não encontram palavras para falar, nem caminhos para viver vida digna. Nessa caminhada sofrida, Deus se torna parceiro dos últimos, e jamais os abandona! E porque Deus está lá escuta os gritos e até os silêncios de quem cansou de clamar e perdeu a voz e a esperança de ser ouvido.

No mar da exploração, Deus, o Deus dos pequenos, acompanha tudo de perto e diz: "Vi, ouvi, desci para libertá-lo" (Ex 3,7-9). Deus está também lá, como parceiro de caminhada, presente, calado, discreto, ao nosso lado. Por isso, nas situações mais incríveis a esperança não nos abandona e sempre renasce a coragem do mandacaru de vencer contra toda esperança. "Faz escuro, mas eu canto, porque o amanhã vai chegar!", ousamos dizer e até cantar.

Os tempos de hoje também são duros e é preciso descobrirmos fontes de coragem para dar esperança aos últimos, pois - como diz o biblista Rafael Aguirre - "quando damos esperança aos últimos se confere sentido à toda a realidade".

É para ficarmos, pois, de olho na vida ameaçada, num grande mutirão profético em defesa dos que são usados para crescer às custas deles em determinados momentos e o resto do tempo não contam para ninguém. Mas Deus confia em nós e conta conosco para uma nova sociedade na justiça e na partilha.


Justino Martínez Pérez


CEBI: Metodologia    Materiais CEBI - Bahia

Mutirão pela Vida:   Texto anterior   –   Próximo



CEBI Home Page
Retorna à Memória

Para maiores informações
envie e-mail para:

comboni@ongba.org.br