MUTIRÃO PELA VIDA:
NOVO JEITO DE LER A BÍBLIA


BÍBLIA: MÚSICA DE DEUS


Neste passeio pela Bíblia, descobrimos pegadas de vida e sonhos de justiça. De onde o povo conseguiu tanta garra para resistir? De onde o povo sofredor de hoje, - desempregado, recebendo salário mínimo, sem terra, sem moradia, sem escola para todos, na fila interminável do INSS -, tira tanta teimosia para lutar e vencer? Onde se esconde a fonte de tanta esperança e alegria para, apesar de tudo, o coração cantar?


Faz escuro, mas eu canto


Na caminhada das comunidades se faz sentir o cansaço e alguns se perguntam: "será que o sonho acabou?" Mas, ficando de olho percebe-se que o sonho continua firme, dando novos frutos, surpreendendo quem não acreditava mais. Uma amostra dessa força viva está no Movimento Sem Terra. Ele conquista espaço nas manchetes nacionais e internacionais e ganha adesões cada vez mais fortes. Está ai e exige terra, respeito, reforma agrária. Lembro a resposta de um rapaz que sabe de esperas: "O que nós quer é terra!". "Não quer violência coisa nenhuma". O nosso amigo levava esperando dez anos para que saísse liberada a fazenda Novo Horizonte. Dez anos acampados! É muito tempo, dor e sofrimento debaixo de uma lona!

Que sonho alimenta tanta luta? Vejamos alguns dos ingredientes desse cardápio de esperança. Há muita solidariedade e partilha de famílias e de comunidades. E há também momentos de oração. É marcante ver como o pessoal lê a Bíblia, celebra, assume um compromisso... e faz festa, mesmo debaixo da chuva. Ninguém agüentaria tanta labuta sem festa. Parecem dizer com o poeta: "faz escuro, mas eu canto" (Thiago de Mello). E por isso ainda, o povo das comunidades e dos movimentos populares continua apostando: "Quero entoar um canto novo de alegria, /ao raiar o novo dia, de chegada em nosso chão./ Com meu povo celebrar a alvorada, / minha terra libertada, lutar não foi em vão!"


Cantar é lembrar


Na Bíblia encontramos muitos cânticos. Por quê tantos cânticos? Há muitas explicações e respostas para isso. Mas não será porque os cânticos fazem parte da vida e têm a força de recriar a vida e a esperança? Sim, cantar renova o coração, traz luz e alegria! Em toda garganta se esconde uma música que precisa ser liberada. Cada pessoa deve cantar sua música, no tom que for. Nasceu para cantar, não dá para ficar calado. "Quem fica calado é sapo debaixo do pé do boi!" diz uma música também.

Todos os povos souberam celebrar as vitórias com poemas, versos, dias de festa, com monumentos nas praças, com repentes improvisados por mulheres ao som do violão, de tambores ou atabaques... "Saul matou mil, Davi a dez mil!", cantavam a mulheres depois da vitória de Davi. A memória e a alegria da vitória, às vezes, acrescentam um ponto, ou um zero! Mas a verdade maior, a verdade da história é assim preservada e transmitida de geração em geração.


Coros e danças


No livro do Êxodo encontramos o Cântico de Moisés (Ex 15,1-18) e um refrão breve: "Cantai a Javé, pois de glória se vestiu; ele jogou ao mar cavalo e cavaleiro!". O poema evoca todo o processo de libertação do Egito. A saída libertadora acaba em canto: "Minha força e meu canto é Javé!". "Cantai a Javé!"

Por trás desse testemunho de fé encontramos Moisés e o povo. Sentimos a mão e a animação de Maria, profetisa, irmã de Aarão que, tomando um tamborim junto com as mulheres, forma coros de dança (Ex 15,20-21). A memória da resistência traz nomes de homens e de mulheres, nomes de um povo organizado que acredita em Javé, "minha força e motivo do meu canto!"


Débora, Mãe de Israel!


Os estudiosos dizem que o Cântico de Débora (Jz 5,1-31) é um dos escritos mais antigos da Bíblia. Esse canto é memória profética libertadora. Salienta a solidariedade das tribos. Denuncia a prática pouco solidaria de certas tribos que preferiram ficar nos currais "cantando ao som das cítaras..."e narra, sobretudo, a vitória acontecida por mãos de mulheres: Débora e Jael!

Junto com Débora está Barac, "o valente", aquele que não quis enfrentar o inimigo sem a presença e a força de Débora. O cântico, como aquele de Moisés e de Maria, é dirigido a Javé, o do Sinai, o Deus de Israel (Jz 5,2-5).

Não era fácil cantar. Naqueles dias, nos dias de Jael, nos dias de Samgar, as aldeias estavam mortas em Israel. Escolhiam deuses novos e a guerra batia às portas. E ai Débora decide levantar-se e dar uma virada (Jz 5,6-8). Houve vitória e a terra descansou durante quarenta anos (Jz 5,31). Uma vitória assim não pode ser esquecida. Deve ser celebrada.

O cântico destaca vários grupos de homens e de mulheres. Lembra uma história de resistência, de organização e de conflitos. O poema recria a esperança evocando o fio dos acontecimentos e o nome de duas mulheres: "Bendita entre as mulheres Jael!" (Jz 5,24). Bendita seja Débora, "Mãe de Israel!" (Jz 5,7). E aqueles que amam a Javé "sejam como o sol quando se levanta na sua força!" (Jz 5,31).


Venham, todos, cantemos!


Hoje nem tudo corre bem. Há morte e perigo na estrada, mas o povo canta com fé e teimosia, como Maria e Débora, e convida a dançar: "Venham todos, cantemos um canto que nasce da terra, / canto novo de paz e esperança, em tempos de guerra./ Neste instante há inocentes tombando nas mãos de tiranos./ Tomar terra, ter lucro, matando: são esses seus planos. Eis o tempo de graça, eis o dia da libertação! / De cabeças erguidas, de braços unidos, Irmãos! / Haveremos de ver qualquer dia, chegando a vitória,/ O povo nas ruas, fazendo a história, Crianças sorrindo em toda a nação!"

Bebendo da Bíblia, o coração se enche de alegria e de esperança: de música de Deus!


Justino Martínez Pérez


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