MUTIRÃO PELA VIDA:
NOVO JEITO DE LER A BÍBLIA
BÍBLIA: SABOR A PROFECIA
A Bíblia tem sabor de comunidade, de caminhada, de libertação. A Bíblia tem sabor a profecia, decididamente.
É um sabor característico. É um jeito característico de olhar a vida. A história toda é lida na ótica dos profetas. Mesmo falando de reis, quer é despertar a memória do povo. Sem profecia a vida perde sabor. O povo perde a coragem. Fica desnorteado.
Leia os profetas
Alguns anos atrás, querendo descobrir a própria vocação perguntei a um padre para me orientar. Sua resposta foi: "Leia os profetas!". Em Jeremias, Isaías, Amós... descobri luz para caminhar. Lembro também de São Justino. Buscava a verdade e a justiça. Procurou nas várias escolas filosóficas da época (150 d.C.). Um dia teve um diálogo na praia e alguém lhe disse: "Leia os Profetas!". Lá encontrou alimento. Descobriu o sentido de sua vida.
Hoje, quando nos debatemos com tantos desafios de violência e de morte, será válida essa proposta para nós? Às vezes nos perguntamos ou nos pedem para decidir o que fazer e como reagir diante de massacres, de grupos de extermínio e da impunidade. Será que devemos ficar firmes nas nossas opções ou chamar uma justiceira para fazer 'justiça na hora'?
Na comunidade, porém, encontramos um cântico profético alternativo: "Forte é quem grita sem medo a verdade maior. Forte é quem morre, mas não admite matar. É forte a semente que morre, mas morre, para ressuscitar. Acreditar na Justiça e na Paz mesmo quando a mentira parece vencer..." Nos profetas encontramos uma reserva de esperança para cantar em tempos difíceis. Está aí também o convite para nós: reler os profetas, como Jesus fez. Ele explicou muitas coisas a partir de Moisés, dos Profetas e dos Salmos (Lc 24, 27.44-46).
A profecia, chave de leitura
Vimos, na unidade passada, a mensagem forte de Amós. Mas o rio da profecia não começa com ele. O nascedouro da profecia acompanha o caminhar do Povo de Israel e, por outro lado, não é privativo dele. Encontramos também profetas nos povos vizinhos a Israel. Basta lembrar Balaão. Suas histórias são narradas no livro dos Números (capítulos 22 a 24). A Bíblia judaica conhece um conjunto de livros que nós chamamos de Históricos e ela de "Profetas anteriores". Esse conjunto vem logo depois do Pentateuco. É muito significativo e está formado pelos seguintes livros: Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis. São uma re-leitura, a partir do Exílio, de toda a história numa ótica nova. Querem é mostrar, como a Palavra de Deus estava presente ou ausente na vida do povo (2 Rs 17,7-23).
A hora de Deus, a hora do profeta
Dirijamos nosso olhar para Samuel, profeta e juiz. Samuel é um divisor de águas na história bíblica, lembra Paulo aos judeus: "Depois disto concedeu-lhes juízes, até o profeta Samuel. A seguir pediram um rei, e Deus lhes concedeu Saul, filho de Cis, da tribo de Benjamim, por quarenta anos" (At 13,20-21).
Samuel, pois, vive num momento de mudança. O povo enfrenta os filisteus, perde a Arca da Aliança (1Sm 4-6). Uma hora difícil. Até de silêncio de Deus. No chamado de Samuel se diz que "naquele tempo, era rara a Palavra de Javé, e as visões não eram freqüentes" (1 Sm 3,1). Nesse contexto, Deus chama Samuel para ser profeta. Para anunciar a novidade radical de Deus que é, ao mesmo tempo, denúncia da prática dos filhos de Eli (1Sm 3,11-14). E como se comporta um profeta em tempos de crise, de mudanças, numa época que não dá para sonhar?
Tomar e tomar... O direito do rei!
O povo pede um rei. Samuel fez o que o povo quer. "Eles queriam um grande rei, que fosse forte e dominador...". E Samuel escolheu um rei. Mas alertou, dizendo: "Cuidado! O rei vai pedir os "direitos do rei", vai exigir muita coisa, como fazem os reis vizinhos". E o povo, bem ciente, disse: "Não seja por isso! Nós queremos é um rei!" (1 Sm 8,6). Samuel aceitou a contragosto. Mas, antes (e também depois) lembrou a prática do rei:
"Ele tomará os vossos filhos para os empregar nos seus carros e cavalos e para correrem à frente do seu carro. Vai também fazer deles chefes, para lavrarem as suas terras e fazerem sua colheita, para fabricarem armas de guerra e apetrechos para os carros. Tomará igualmente vossas filhas para perfumistas, cozinheiras e padeiras. Tomará vossos melhores campos, vinhas e olivais, para os dar aos funcionários. Cobrará o dízimo das searas e vinhas para dar a seus áulicos e funcionários. Tomará também os vossos servos e servas, a fina flor da vossa juventude, e os jumentos, e os fará trabalhar para si. Exigirá o dízimo dos rebanhos e vós mesmos sereis seus servos. E se então um dia pedirdes socorro por causa do rei que tiverdes escolhido para vós, o Senhor naquele dia não vos atenderá" (1 Sm 8,11-18).
Viu? O rei vai tomar e pegar... E depois não venham me dizendo que eu não lhes disse, colocou Samuel. Mas o povo, não prestou ouvidos a Samuel e disse: "Não importa! Venha um rei! Queremos ser como os outros povos". Samuel consulta a Deus e diz que não gosta de ouvir falar por aí que "a voz do povo é a voz de Deus!" Que não vai aceitar. E Deus lhe responde: "Fique calmo! Faça o que o povo mandar. Em tudo isso eles não estão rejeitando você, mas a Mim!" (1 Sm 8,7).
Não recebi nem um par de sandálias!
Samuel, porém, é diferente dos reis. Pouco antes de morrer diz: "Aqui estou. Testemunhai contra mim diante de Javé e do seu ungido: a quem tomei o boi e a quem tomei o jumento? A quem defraudei e a quem oprimi? De quem tenho recebido presentes, para que finja não ver?". Eles, porém, disseram: "Tu não nos defraudaste nem nos oprimiste e de ninguém tiraste coisa alguma". (1 Sm 12,1-5).
Samuel era homem de Deus. Homem íntegro esse Samuel! "Não recebeu nada de ninguém, nem dinheiro nem um par de sandálias". E ninguém o acusou." Assim lembra o Eclesiástico a memória de Samuel (Eclo 46,13-20).
Uma figura desse porte e honestidade pode tem a coragem de mostrar para o povo a prática do rei, o assim chamado "direito do rei" que trocado em miúdos não deixa de ser um abuso dos poderosos.
Justino Martínez Pérez
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