Oi, amigos!Foi no dia 20 de novembro de 1695 que as tropas fiéis aos senhores de engenho conseguiram derrotar os homens do Quilombo e matar Zumbi dos Palmares, o líder da resistência negra contra o regime da escravidão. Naquele dia parecia terminar o sonho de milhares de homens e mulheres que, trazidos à força da África e obrigados a servir os interesses dos patrões, viam no Quilombo a única esperança de resgate de sua dignidade. Mas a luta não acabou. A 300 anos de distância, o povo negro revive a memória de Zumbi exigindo o fim de qualquer tipo de discriminação e o reconhecimento dos direitos dos marginalizados. ALÔ MUNDO dedica este número a Zumbi e ao povo negro. Desse jeito homenageia sua luta. Em nome de todos seus leitores, pede perdão pela escravatura, pelo horrível comércio de seres humanos que marcou nosso passado colonial e imperial, pelos massacres daqueles que lutaram contra a escravidão. A figura de Zumbi é um modelo para todas as crianças e os adolescentes que não querem ser escravos da discriminação, do egoismo e da injustiça. ALÔ MUNDO torce para que o sonho de Zumbi se torne o nosso também. |
Xavier |
Não dava mais para agüentar a violência dos patrões. Os negros eram espancados e massacrados. Aos olhos dos brancos, bicho tinha mais valor que negro. Era essa a época das grandes plantações de açucar, fonte de lucro para a coroa portuguesa e os senhores de engenho no Brasil. O que contava era o dinheiro...
Era também a época dos tumbeiros, os grandes navios que íam até a costa africana para fazer o seu triste comércio: trocar cachaça, fumo e bugigangas por homens e mulheres negros, para o plantio de cana e produção de açucar e para os serviços domésticos nas casas dos patrões.
O homem e a mulher não vêm ao mundo para ser escravos. Eles nascem para ser livres, amar, ser gente, usufruir o fruto de seu trabalho, criar um mundo para todos... Foi este o sonho daqueles que fugiram da escravidão para se esconder na mata fechada, praticamente impenetrável, da região de Palmares de Pernambuco. Foi este o grande projeto do Quilombo dos Palmares, a maior tentativa de luta do povo negro contra a escravidão.
As terras do quilombo se estendiam desde Pernambuco até Alagoas. Eram terras férteis, ricas de palmeiras. Graças ao trabalho de todos tornaram-se também produtoras de bananas, milho, melancia, mandioca, feijão e manga. Tudo isso incomodava o sistema escravista implantado no Brasil pelo império português. A simples existência de homens livres, produzindo para si mesmos, criando uma sociedade sem o trabalho escravo, constituia uma ameaça para uma sociedade construída sobre a exploração dos negros.
Para acabar com essas sociedades, foram organizadas muitas expedições militares, nem sempre com bons resultados. Muitos quilombos se tornavam cada vez mais fortes e organizados. Numa dessas expedições contra Palmares, em 1655, um menino ainda recém-nascido foi raptado e levado para Porto Calvo. Ali foi entregue ao padre Melo, vigário local, que o batizou e criou. O menino recebeu o nome de Francisco e estudou nas escolas dos brancos.
Negro, nascido na pátria da liberdade, Francisco se entusiasmava quando ouvia falar do Quilombo dos Palmares. Aos quinze anos fugiu e foi viver com seu povo. No quilombo mudou de nome. Não era mais Francisco, mas Zumbi.
Foi acolhido por uma família. Passou a ter parentesco. Entrou a fazer parte da família de Ganga Zumba. Ganga Zumba era o grande chefe de Palmares. Fora escolhido não só por seus méritos na guerra. Sob sua orientação, Palmares crescera. Eram quase trinta mil homens e mulheres vivendo livres nas suas vilas, os mocambos.
Ganga Zumba não mandava sozinho. Era auxiliado por um conselho. Em cada mocambo havia uma espécie de cabo-de-guerra que era considerado um parente de Ganga Zumba. Zumbi, por sua bravura, pela inteligência, pelo corpo vigoroso e pela vontade de ferro, em pouco tempo, se tornou o principal líder do seu mocambo.
Não era fácil segurar o sonho de Palmares. Mas os brancos não aceitavam de jeito nenhum que os negros pudessem conquistar a liberdade... Em 1668, os senhores de escravos assinaram uma "União Perpétua" com o objetivo de formar uma tropa capaz de destruir a nação dos negros livres. As expedições se multiplicavam, cada vez mais poderosas. Bem armados e organizados, os homens de Fernão Carrilho conseguiram vitórias que enfraqueceram os quilombos.
O rei Ganga-Zumba não agüentou os golpes e as derrotas. As principais cidades da República de Palmares foram destruídas. Suas roças devastadas. Os filhos, netos e sobrinhos do rei aprisionados ou mortos em combate. Nessa situação, e diante das propostas de paz dos portugueses, Ganga-Zumba achou vantajoso entender-se com eles. Resolveu, em 1678, enviar embaixadores para tratar da paz com o governo.
Os mais jovens e mais entusiasmados pelo ideal de liberdade não aceitaram o acordo. Zumbi foi um desses jovens guerreiros. Já há algum tempo, pequenos comentários indicavam que a liderança de Ganga-Zumba estava em declínio. O acordo com o governador de Pernambuco tinha diminuido ainda mais o seu prestígio.
Zumbi insurgiu-se contra o tratado de paz assinado e recebeu apoio de muitos guerreiros. Não podia aceitar um acordo entre os que lutavam pela liberdade e os que pretendiam manter a escravidão. Decidiu ficar em Palmares para lutar pela liberdade de seu povo. Palmares resistiu. Derrotados, os senhores do açucar apelaram para aquele que os jesuítas diziam ser o "maior criminoso do Brasil", Domingos Jorge Velho.
Domingos Jorge Velho era um bandeirante paulista sem escrúpulos. A sua especialidade era caçar indígenas para aprisioná-los e vendê-los como escravos. Famoso pela sua crueldade e ganância, foi contratado para não deixar pedra sobre pedra em Palmares e liquidar ou reaprisionar todos os seus habitantes. Em troca, o bandeirante exigiu o mundo: as terras de Palmares, a propriedade exclusiva sobre os negros capturados, o fornecimento gratuito de armas, munições e alimentos necessários à guerra, a amnistia de todos seus crimes e cem mil réis em dinheiro vivo. O preço era alto, mas os grandes proprietários de terra e de escravos estavam dispostos a fazer qualquer coisa para acabar com Zumbi e Palmares.
Por duas vezes as tropas escravistas tentaram entrar em Palmares, mas foram afastadas com muitas perdas. Domingos Jorge Velho não se deixou intimidar. Durante a noite mandou seus homens erguer uma cerca junto das defesas de Palmares para melhor atacarem e assim encurralar os defensores. Quando os palmarinos perceberam, era tarde demais.
Consciente de que a derrota era inevitável, Zumbi decidiu organizar a retirada. Notando a existência de um vão entre a contracerca construída pelos escravagistas e um precipício vizinho, Zumbi tentou realizar uma manobra cheia de audácia evacuando seus homens por este vão durante a noite. A operação estava dando certo quando um sentinela, percebendo o movimento, deu o alarme.
Foi um desastre. Os atacantes investiram contra os palmarinos matando 200 pessoas e aprisionando mais de 500. Outros 200 precipitaram no abismo. Assim mesmo, Zumbi e alguns poucos conseguiram escapar. Era enfim ocupada a capital da República dos Palmares, após 22 dias de resistência.
Depois disso Zumbi transformou-se em guerrilheiro. Ninguém mais conseguia saber com segurança onde ele estava. Somente pela traição seria preso ou morto. Um dos seus principais auxiliares, capturado pelas tropas escravagistas, e tentado pela promessa de liberdade, acabou por denunciar o esconderijo de Zumbi. Cercado, este ainda tentou resistir desesperadamente, mas foi assassinado. A sua cabeça, por ordem do governador, foi pendurada em um pau e exposta no lugar mais público de Recife. Era a madrugada do 20 novembro de 1695.
Apesar dessa derrota, o povo de Zumbi continuou a resistir. Depois da morte de seu herói, outros quilombos foram organizados em todo o Brasil. O nome de Zumbi, esquecido pela história oficial, sempre foi lembrado pelo povo negro na luta pelo reconhecimento de sua dignidade. A trezentos anos de sua morte, a memória de Zumbi permanece viva em cada homem e mulher que, à parte de sua cor e de sua raça, sonha com um mundo sem injustiça e escravidão. (Trechos escolhidos)
Diva Moreira tem 49 anos. É comunicadora social e cientista política. Durante um tempão foi presidente da Casa Dandára, que fica no bairro de Santa Tereza, periferia de Belo Horizonte, Minas Gerais.
O pessoal de Casa "batalha" pela cidadania. É um movimento negro que combate o racismo e luta pela construção de um sociedade baseada na igualdade.
"Combatemos todas as formas de dominação. Lutamos pela emancipação dos povos indígenas, pela defesa do meio ambiente, pela libertação da mulher. Discutimos e valorizamos temas que interessam à raça negra e à sociedade brasileira", lembra Diva.
Apoio pedagógico - A maior parte das crianças que integram o Projeto Criança de Dandára é negra, embora o projeto atenda crianças de todas as raças. "São crianças pobres, cujas mães trabalham o dia inteiro fora de casa. A maioria tem famílias desestruturadas, onde é freqüente a figura do padrasto que espanca."
A única exigência para participar do projeto é que a criança freqüente a escola. Quem estuda pela manhã, vai para a Casa à tarde, e vice-versa.
Além de promover atividades culturais, o projeto conta com professores que dão apoio pedagógico ao currrículo da escola formal. "Estamos conseguindo melhorar o desempenho escolar da garotada. Pela nossa avaliação, o aproveitamento tem sido próximo de 100 por cento", fala Diva.
Escola racista - Diva acredita que o governo e a sociedade têm sua carga de responsabilidade. "A própria família negra não prepara seus filhos para enfrentar uma sociedade racista. Desde criança o negro escuta que o seu nariz é chato, que o cabelo é duro... Se no próprio ambiente familiar a criança não está livre do racismo, imagine na escola".
Segundo ela, o ambiente escolar muitas vezes não atrai nem a criança branca, quanto mais a negra! É na escola, por exemplo, que a criança negra é chamada de 'pretinha', 'tição', 'macaca'. "É difícil para a criança receber apelidos tão cruéis... Certa vez cheguei a escutrar o mais cruel de todos eles: 'resto de incêndio'. Tem cabimento isso?"
Nesse ambiente hostil, é difícil a sociabilidade e, conseqüentemente, o desenvolvimento. A maioria dos professores também não facilita nadinha."Quando você aposta no ser humano, ele cresce, ele avança. Mas geralmente, os professores não apostam na criança negra. Eles acham que ela vai sair logo da escola, não vai chegar à universidade. Então, para que investir?", declara Diva.
(Texto: Tânia. Trechos escolhidos)
Uma pesquisa realizada em escolas estaduais da região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, revelou que a discriminação racial sofrida pelas crianças negras nas escolas é um fator de estímulo à evasão escolar. A pesquisa Racismo na Escola - Linguagem do Silêncio aponta o preconceito racial como indutor da baixa auto-estima entre os alunos negros, que prejudicaria o rendimento escolar, aumentaria o índice de repetência e reduziria a freqüência nas salas de aulas. Outra pesquisa, desta vez com estudantes de escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro, mostrou a ocorrência de preconceito racial entre os alunos, professores e nos contéudos transmitidos pelos livros didáticos. Nos livros didáticos, o negro é citado em tempos verbais do passado, como se não existissem mais. Nas ilustrações, pouco aparecem (raríssima é a presença do negro nas capas desses livros). A figura do negro é simplificada, não se mostra a diversidade de suas origens - como se negros de uma única origem tivessem chegado ao Brasil. Mostra o negro como submisso e serviçal, as revoltas negras sequer são comentadas. Mostra, também, que no mercado de trabalho as ocupações intelectuais pertencem aos brancos, enquanto os negros ficam com as ocupações manuais. |
Biblioteca Comboniana Afro-brasileira. E-mail: comboni@zumbi.ongba.org.br |