Missão na África: Moçambique

Tambores, cânticos
e muita alegria


O missionário visita as comunidades cristãs da região dos Makonde na época do Natal. E vibra com a fé, o trabalho e o dinamismo do povo. Uma Igreja onde os leigos mostram serviço.


Jerônimo Nunes


A igreja, enorme como uma catedral e de telhado esburacado, fica no alto, no início do planalto, rodeada por belos coqueiros e pelos edifícios de uma escola. A casa paroquial está em reconstrução.

Somos recebidos numa casa que antigamente pertencia às Irmãs e que hoje é ocupada pelo Ministério da Educação. Foi emprestada à igreja durante a semana do Natal para hospedar dois padres (ironias e contradições da história).

Antes de entrar em casa, somos saudados por centenas de cristãos que cantam músicas macondes, com letras inspiradas no Evangelho.

Depois dos cumprimentos rituais, todos se sentam à sombra de dois enormes cajueiros e formam um imenso coral a quatro vozes. Cantam por cerca de duas horas.

Quase todos são jovens das comunidades espalhadas por essa imensa região. A igreja paroquial, que fica isolada, funciona como centro de peregrinação em dias de grandes festas.


LEIGOS NA FRENTE - Estou em Macomia, uma enorme paróquia-missão situada a 200 quilômetros ao norte de Pemba, com 12 mil quilômetros quadrados de extensão. O padre foi expulso daqui há cerca de vinte anos pelo governo marxista.

Os Missionários da Boa Nova sempre continuaram a prestar alguma assistência. O padre Manuel Paulo vem aqui para visitar as comunidades principais onde os cristãos se reúnem.

O meu guia é o padre Antônio Gonçalves, pároco de Pemba. Ele fala o maconde porque já trabalhou por alguns anos entre Macímboa da Praia e Macomia.

Mesmo sem um padre residente em toda essa área, a paróquia funciona. As comunidades têm os seus responsáveis leigos. Cada grupo de seis ou sete comunidades possui um animador encarregado de visitar e articular o trabalho em todas elas.

E há ainda um animador paroquial. Eleito em 1982, exerce a função até hoje. Chama-se Bento Mpunga. No tempo da guerra era ele o correio entre os padres - concentrados em Pemba pelo governo - e as comunidades.

"Foi eleito porque era o único com coragem para fazer essa viagem todos os meses", explica um senhor de idade.


NOITE INTEIRA DE CELEBRAÇÃO - A missa começa às 9 da noite. Só temos uma vela e uma lâmpada a pilhas. Se os ensaios foram todos feitos no escuro, não será agora que os cantores vão errar o cântico.

Ao som dos tambores, ecoa na mata a multidão de vozes saídas da escuridão. Se a igreja tivesse vidros, talvez se quebrassem devido ao entusiasmo do cântico que inicia a celebração do nascimento do Irmão mais velho dessa família de Deus.

Oficialmente, a missa tem duas horas de cântico, celebração da Palavra e oração bem partilhada. Mas quando o padre deixa o altar, o cântico de ação de graças continua até as 4 da manhã. A multidão continua dentro da igreja, em louvor, sem interrupção.

Ao despontar da aurora, saem duas procissões. Rodam por longe e, ao se encontrarem novamente frente à igreja, saúdam ruidosamente a Luz que nasce.

Às 8 da manhã, a igreja está ainda mais cheia. Chegam também as pessoas idosas da redondeza. A missa é mais solene, incluindo dança religiosa, batismos, casamentos e todas as procissões a que se tem direito. Dura mais de três horas, e nem mesmo as crianças ficam incomodadas.


NASCE MAIS UMA COMUNIDADE - Às 3 da tarde, estamos no Chai, 40 quilômetros ao norte, celebrando numa igreja ainda inacabada, construída há mais de vinte anos pelo exército português.

Os cantores que estiveram em Macomia ainda não chegaram, porque vêm a pé. Chegarão aqui lá pelas 10 da noite. O mestre do cântico, que nos acompanhou em nosso carro, consegue animar a multidão sentada na areia que serve de piso da igreja.

Os batismos e casamentos vieram de longe, de uma comunidade chamada Santa Filomena de Namaneko, até hoje nunca visitada pelo pároco. Os "noivos" caminharam dois dias pelo mato, com os filhos às costas, para chegarem a essa festa, onde vão jurar fidelidade a Cristo e um ao outro.

A comunidade de Namaneko foi fundada pelo animador paroquial e por jovens que descobriram a aldeia e ali passaram uma semana, visitando casa por casa. Voltaram outras vezes, e um senhor de lá já assumiu a responsabilidade de catequista. Os frutos começam a aparecer.


COM EX-REFUGIADOS - Poderia contar as histórias de outras comunidades que visitamos nessa semana.

Mluko, que fica a 100 quilômetros, é formada quase só por funcionários públicos transferidos de outras regiões. Os naturais do lugar são muçulmanos.

Em Mluko nos falam da comunidade que está se formando em Muaguide pelos professores que o governo mandou para lá. Paramos em Muaguide e encontramos os professores. Vemos o local onde estão lançando os "alicerces" de uma capela e de uma comunidade.

Namaluko é uma comunidade de Maconde que, durante a guerra, fugiram para a Tanzânia. Foram expulsos de lá, e o governo moçambicano os "concentrou" no meio do mato, a 30 quilômetros da estrada.

Eram 10 mil refugiados, mas alguns voltaram para a Tanzânia. Outros fugiram para aldeias mais próximas do progresso.

À medida que cresce o número de cristãos organizados, aumenta-se a capela, que é coberta de palha. Agora, querem construir uma igreja mais duradoura, com telhado de zinco. Onde vão encontrar dinheiro, se os seus produtos nada valem, por estarem tão longe do mercado?


IGREJA MAIS DINÂMICA - Poderia ainda falar das longas conversas após a missa matutina. Normalmente eram à sombra de uma enorme árvore, com o povo sentado ou deitado, conforme a posição mais confortável. Essas conversas prolongavam-se até as 5 da tarde, hora habitual do nosso almoço.

Prefiro lembrar apenas o discurso de um ancião que falou durante a última reunião, novamente à sombra dos cajueiros de Macomia. Ele apontou o dedo do pé e disse:

- Se eu tenho uma ferida no dedo, todo o corpo sente. A nossa paróquia está com uma ferida grave: há vinte anos não tem padre residente. Isso causa problemas de falta de formação dos responsáveis das comunidades e problemas de organização.

Ele disse ainda que entende que há falta de padres e freiras. Mas a Igreja, segundo ele, bem que poderia "ser menos estática e mais dinâmica".

- Poderiam trabalhar aqui por um ou dois anos, ajudar a resolver os problemas e depois ir para outro lugar. Não é justo que a nossa ferida fique aberta e que as outras partes do corpo da Igreja não a sintam. A nossa ferida vai prejudicar todo o corpo.

Este é um dos lugares onde a ferida da Igreja é visível, perturbando o corpo estático. Quanto mais dinâmicos os leigos, maior dinamismo se exige do conjunto da Igreja.


O padre Jerônimo Nunes, de Portugal, é superior geral dos Missionários da Boa Nova. Trabalhou durante muitos anos no Brasil, tendo ocupado o cargo de secretário-executivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Nacional.


(Jerônimo Nunes, p. 36)


O PAÍS

Nome oficial: República de Moçambique
Capital: Maputo
Localização: sudeste da África
Área: 799.380 quilômetros quadrados
População: 16,5 milhões (1996)
Idioma: português (oficial) e idiomas africanos
Religião: religiões tradicionais africanas (47,8%), cristianismo (38,9% - católicos: 31,4%), islamismo (13%), outros (0,3%), segundo dados de 1980.

FONTE: ALMANAQUE ABRIL 97


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