CEBs

De olho na massa

As pequenas comunidades querem dialogar com a grande massa, a multidão dos excluídos.


Última reunião da Comissão Ampliada Nacional, a equipe responsável pela coordenação geral do Intereclesial de São Luís. Durante a celebração, cada membro é solicitado a demonstrar, através de um símbolo, o significado do tema em debate: "CEBs e massa".

Dona Josefa, 65 anos, uma da pioneiras no trabalho de comunidades no Maranhão, pega um pouco de massa e modela um pequeno pilão: "É aqui que a gente soca milho e arroz, enquanto derrama suor, canta e sorri", ela explica.

Coisas assim, de gente simples e trabalhadora. De gente que sabe e que faz. Coisas do povo das Comunidades de Base.

PROIBIDO PARAR - Em São Luís, durante o Nono Intereclesial, vai ter muita celebração, cântico, festa e alegria. Outros tantos símbolos aparecerão, como o de Dona Josefa, para mostrar o espírito que anima a vida das comunidades. Mas haverá também muito debate e troca de idéias sobre o tema "CEBs e massa".

Os 2.500 delegados das comunidades de todo o Brasil não chegam à ilha de mãos vazias. É impossível ter uma idéia exata de quantos encontros, pequenos e grandes, aconteceram desde o último Intereclesial - em Santa Maria/RS, em 1992 - até hoje, para refletir sobre o tema, discutir propostas, celebrar. O Nono Intereclesial é o ponto de chegada de um processo que movimentou milhares de pessoas e comunidades nos últimos cinco anos, de norte a sul do Brasil.

O padre Fernando Altemeyer, do Vicariato da Comunicação da Arquidiocese de São Paulo, acompanhou de perto todo esse processo. Ele explica que o tema da massa coloca as comunidades diante de novos e grandes desafios. Por exemplo, o aumento da miséria no país, o fenômeno da urbanização, o poder de mobilização dos grandes meios de comunicação, o surgimento de novos movimentos religiosos e outros.

"Não será então que as comunidades deveriam trabalhar com um número maior de pessoas, e não apenas com pequenos grupos, como sempre estiveram acostumadas a fazer?", questiona Altemeyer, resumindo um dos pontos centrais em discussão. "Jesus não proibiu os discípulos de trabalhar com a massa. Ele mesmo fez isso. A multiplicação dos pães se deu com a massa."

Altemeyer acredita que o debate chega em boa hora, e as comunidades se sentem mais amadurecidas para afrontá-lo. "As CEBs podem mostrar para as massas excluídas que é possível construir um projeto alternativo e democrático, porque é essa a experiência delas no interior da Igreja católica."


PROJETO ALTERNATIVO - Para o teólogo Leonardo Boff, o termo massa invoca fundamentalmente os excluídos, "as vítimas das políticas neoliberais do atual governo".

Boff ressalta a importância de grandes eventos de massa, como foi a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, Justiça e Emprego, cujo encerramento se deu em Brasília, no mês de abril. "A iniciativa foi capitaneada pelos sem-terra, mas contou com o apoio de inúmeras comunidades do campo e da cidade."

Ele cita também outras manifestações, como o Grito dos Excluídos e as Semanas Sociais. Pode acontecer com elas - acredita Boff - algo semelhante ao que se deu com as romarias da terra. No começo, eram eventos isolados. Aos poucos foram se difundindo, tornando-se massivas.

Para o sociólogo mineiro Pedro A. Ribeiro de Oliveira, assessor do Instituto de Estudos da Religião (Iser), o momento exige das CEBs uma avaliação do seu projeto político de construção da cidadania. "Um projeto que não pretende integrar os excluídos no Primeiro Mundo, como prega FHC, mas construir um mundo diferente."

Pedro de Oliveira cita um outro aspecto fundamental, ligado ao tema geral: a grande massa de católicos. Como mostram pesquisas feitas por sua equipe, apenas 30% da população católica participa efetivamente da vida de sua Igreja. "Os 70% restantes são massa mesmo, católicos de primeira e última comunhão, casamento, missa de sétimo-dia apenas", ele constata.

Durante os quatro dias do encontro em São Luís, essas e outras preocupações estarão desafiando a fé, o esforço e a criatividade das Comunidades de Base. O tema geral foi dividido nos seguintes subtemas: catolicismo popular, religiões afro-brasileiras, pentecostalismo, excluídos e movimento popular, cultura de massa e cultura indígena.

Coisa bastante para ser socada no pilão de Dona Josefa: com muito suor, mas também com cânticos e sorrisos. - P. L.


A ilha dá as boas-vindas

Cerca de 3 mil pessoas participarão do Nono Encontro Intereclesial de Comunidades Eclesiais de Base em São Luís do Maranhão. Vão ser 2.500 delegados das próprias CEBs, mais bispos, convidados e assessores.

Nos três dias que antecedem o encontro, no mesmo local e com o mesmo tema, vai estar sendo realizado o Quinto Encontro Latino-Americano e Caribenho de CEBs, do qual participam trezentos delegados de vários países do continente.

Em São Luís, desde o ano passado, mais de oitocentas pessoas estão atuando em dezenas de equipes de serviço que cuidam da organização local do evento. Está tudo preparado: alojamento nas famílias, alimentação, saúde...

"Esse Intereclesial vai ser o encontro da partilha e da solidariedade", informa a maranhense Lucinete Cordeiro Machado, 37 anos, coordenadora geral do grande encontro de CEBs.

Ela conta que as comunidades fizeram um verdadeiro mutirão para o encontro acontecer, com roças comunitárias, bingos, rifas, leilões... "Soube até de gente que fez jejum para economizar dinheiro no final do mês e poder colaborar. Outros criaram galinhas e porcos para depois doar à comunidade."

As delegações que forem chegando por qualquer uma das estradas principais vão encontrar uma calorosa acolhida das comunidades locais. Além das faixas de boas-vindas, vão ter à disposição um ponto de apoio para aliviar o cansaço e tomar um café com bolo de tapioca, típico da região.

Durante o encontro, cada participante receberá um coco babaçu, como símbolo de resistência e lembrança do Intereclesial. E também um anel de tucum, sinal de compromisso com a defesa dos valores do Evangelho na caminhada junto com os empobrecidos.

No último dia de encontro, um sábado, caravanas de todas as dioceses do Maranhão chegarão à ilha de São Luís para participar da Romaria das CEBs pelas ruas da cidade.