Foi em clima de carnaval antecipado e muita folia que grileiros e latifundiários acolheram, no início do ano, a chegada do decreto 1.775. Madeireiros e políticos do Estado do Amazonas, que não querem ver índio nem pintado de ouro, organizaram até uma passeata para comemorar o anúncio da medida.Assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso no dia 8 de janeiro, o novo decreto do Ministério da Justiça substitui o de número 22 de 1991, que regulamentava o procedimento de demarcação de áreas indígenas e estabelecia o que fazer com invasores e supostos proprietários não-indígenas. O processo de desapropriação não podia ser contestado ou suspenso na Justiça. Agora, proprietários e governos estaduais e municipais alcançaram o que queriam: podem constestar os limites da área a ser demarcada.
Retrocesso Na prática, o novo decreto abre a possibilidade de revisão de 344 das 554 áreas indígenas reconhecidas no Brasil, denuncia o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). E isso, segundo a entidade católica, representa um dos maiores retrocessos na legislação indigenista brasileira.O Cimi alerta inclusive para o risco de redução de áreas já definitivamente demarcadas. Além disso, o novo decreto não prevê casos de áreas insuficientes para a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas. É o caso dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. A falta de terra suficiente para o modo de vida guarani leva o grupo ao suicídio. Só no ano passado foram cinqüenta casos, aumentando para 192 o número de suicídios de 1986 até hoje.
Para o secretário-geral do Cimi, Saulo Feitosa, o governo sempre tratou as terras indígenas como moeda de troca na política do toma-lá-dá-cá. Inclusive agora, na luta pela aprovação no Congresso das reformas que estão sendo propostas.
Não foi à toa que a medida agradou aos políticos governistas. O deputado Elton Ronhelt, do PSC de Roraima, por exemplo, que é vice-líder do governo na Câmara, declarou à imprensa que o governo finalmente tinha aplacado sua ira. Faz sentido. Ele e outros parlamentares da bancada amazônica estão interessados na revogação da área ianomâmi, explica Feitosa.
A mudança do decreto 22/91 vinha sendo articulada pelo Ministério da Justiça há meses. De nada adiantou a avalanche de protestos dentro e fora do Brasil. Surpreendidos pela mudança, lideranças indígenas e organizações não- governamentais (ONGs) de todo o país foram a Brasília para protestar contra a medida. Manifestações de repúdio choveram dos quatro cantos do mundo.
Unindo forças O Conselho de Articulação das Organizações dos Povos Indígenas, que reúne cerca de cem ONGs, está coordenando uma campanha internacional, pedindo a revogação do decreto. O alvo imediato é suspender temporariamente uma doação de 20 milhões de dólares do governo alemão para demarcação das terras indígenas. O Banco Mundial prometeu outros 2 milhões de dólares. Tememos que esse dinheiro todo, quando chegar, seja utilizado pelo governo para reduzir os limites das terras indígenas, esclarece Feitosa, do Cimi, que integra o Conselho. A campanha não pára por aí. No final de janeiro, uma delegação estava se preparando para levar a questão ao G-7, o grupo dos sete países mais desenvolvidos do mundo. A ONU (Organização das Nações Unidas), a OEA (Organização dos Estados Americanos) e o Banco Mundial também receberiam a queixa dos organizadores da campanha.No nível interno, o Congresso deve virar novamente palco de uma grande batalha, como nos tempos da Constituinte. O objetivo é anular a decisão do presidente. Estamos mobilizando entidades, personalidades e parlamentares, revela o secretário-geral do Cimi.
O Partido dos Trabalhadores (PT) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal, alegando a inconstitucionalidade do decreto. Na visão do PT, a Constituição não permite a contestação de terras indígenas. Até o momento do fechamento desta matéria, o STF ainda não tinha se pronunciado.
(Da Redação, p. 21)
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