É preciso rever o decreto 1.775, que é também questionável
do ponto de vista dos valores éticos.
Da Redação
O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Lucas Moreira Neves, no último dia de fevereiro, entregou ao presidente Fernando Henrique Cardoso uma nota oficial questionando a sustentação ética do decreto 1.775/96 e pedindo sua revisão.O documento, aprovado em reunião da Comissão Episcopal de Pastoral (CEP) da CNBB na semana anterior, ressalta em suas primeiras linhas que a entidade sempre esteve do lado dos povos indígenas do país como exigência de sua missão pastoral.
Por isso, defendeu e defende os direitos desses povos à sobrevivência física e cultural, convicta também de que a grande dívida para com os povos indígenas está longe de ser resgatada.
LEI NÃO FOI CUMPRIDA A nota da CNBB, intitulada Pró-memória, lembra que a Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 231, assegura aos povos indígenas o direito à sua identidade étnica e cultural e às terras tradicionalmente ocupadas por eles. Essas terras, no parágrafo 4° do mesmo artigo, são reconhecidas como inalienáveis, imprescindíveis e indisponíveis.A nova legislação indigenista brasileira, na época, foi considerada exemplar, e o Brasil ganhou elogios da comunidade internacional pela maneira como amparou constitucionalmente a causa de seus aborígenes.
Não foi porém cumprido o prazo de cinco anos para a demarcação de todas as terras indígenas. A morosidade, a omissão dos órgãos governamentais e a falta de vontade política em cumprir os parâmetros legais causaram inúmeros conflitos de terra, inclusive com vítimas fatais.
A onda de violência contra os povos indígenas nesses últimos anos atingiu também missionárias/os e tantos outros que assumiram a causa intransigente dos direitos indígenas. Foram perseguidos ou mesmo derramaram o seu sangue como prova maior de seu amor aos irmãos índios.
DECRETO DEVE SER REVISTO Falando especificamente sobre o decreto 1.775, os bispos denunciam que ele, em vez de agilizar a demarcação das áreas indígenas, há tanto tempo esperada, coloca novos obstáculos e possibilita até a redução de áreas já demarcadas. E mais: o novo decreto exclui a ampliação de territórios insuficientes para a sobrevivência física e cultural de um povo.A nota da CNBB menciona o caso dos Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Confinados em um espaço extremamente reduzido, 211 Guarani, especialmente jovens, suicidaram-se nos últimos dez anos, chamando a atenção do mundo inteiro para a situação insustentável em que se encontram. A imagem do Brasil no exterior sofre desnecessariamente um profundo desgaste, garantem os bispos, depois de citar ações de protesto, dentro e fora do Brasil, contra o novo decreto.
Apreensiva com as conseqüências negativas que o decreto vem provocando, a CNBB encerra a sua nota assinalando não só a necessidade de se rever o decreto, mas também questionando, do ponto de vista dos valores éticos, sua sustentabilidade.
OS PASSOS DA DEMARCAÇÃO
O procedimento de demarcação definitiva de uma área indígena envolve várias etapas. Confira:1. Identificação da área indígena, com a reunião de provas da ocupação tradicional. A equipe técnica da Fundação Nacional do índio (Funai) encaminha então o processo ao ministro da Justiça.
2. Delimitação, determinada por portaria do ministro da Justiça que declara os limites da terra tradicionalmente ocupada por um determinado povo ou por comunidades indígenas e determina a demarcação administrativa da área pela Funai.
3. Demarcação, ou colocação de marcos.
4. Homologação, através de decreto do Presidente da República.
5. Regularização, através de registro no Serviço de Patrimônio da União (SPU) e no Cartório de Registro Imobiliário (CRI).
SITUAÇÃO ATUAL DAS TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL
Áreas oficialmente conhecidas............554 Total de áreas demarcadas................274 Aguardando decreto de homologação 24 Aguardando registro no SPU e no CRI 40 Já registradas 210 Total de áreas não demarcadas........... 280 Aguardando identificação 137 Em fase de identificação 51 Aguardando portaria de delimitação 31 Aguardando efetivação da demarcação 50 Com a demarcação paralisada 5 Estão sendo demarcadas 6 Fonte: FUNAI (Jan./96) - CIMI (Texto-Base)MUITA TERRA PRA POUCO BRANCO
Quem tem muita terra?
Quem não produz?
Quem inviabiliza o progresso?
Veja os números e tire você mesmo as conclusões:1% dos proprietários detém 44% de todas as terras no Brasil.
3,1 milhões de pequenos agricultores têm acesso a apenas 10 milhões dos 376 milhões de hectares de hectares cobertos pelos estabelecimentos agrícolas do país, ou seja, 2,67% do total. No outro extremo, 0s 50 mil latifúndios com mais de 1.000 hectares detêm 165 milhões de hectares, portanto, 16 vezes mais.
O IBGE identificou 61 estabelecimentos com mais de 100 mil hectares que utilizam para lavoura apenas 0,14% do total de sua área.
O pernambucano Fernando Geraldo Caminha de Souza, por exemplo, aparece no cadastro do Incra como dono de duas glebas ociosas que, somadas, têm cerca de 1.262.500 hectares, o que representa mais da metade do Estado de Sergipe.
Existem hoje no Brasil 4,5 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem terra.
As perguntas são muitas, mas todas levam a uma só conclusão: há muita terra e muita renda para poucos brancos.
Fonte: CIMI (Texto-Base)
Colaboração da:
Biblioteca Comboniana Afro-brasileira. E-mail: comboni@zumbi.ongba.org.br |