Depoimento
"Eles nos consideram irmãos, e nós nem sabemos que eles existem"
Irmã Vera Lúcia Canerotti, brasileira, 35 anos, é uma das poucas missionárias estrangeiras que conseguiram permissão para entrar e trabalhar no Timor Leste. A seguir, veja o depoimento desta religiosa que pôde testemunhar, de perto, a impresssionante capacidade de resistência do povo timorense.
"Demorei mais de um ano para entrar no Timor Leste, porque não me davam o visto. Finalmente, no início de 1994, consegui desembarcar em Dili e de lá fui trabalhar em uma escola de Venilate, região montanhosa no centro da ilha. Tive logo que aprender a falar o bahasa. O português está proibido. Só mesmo sussurrando palavras no ouvido das pessoas amigas...
Os indonésios até hoje dizem que os timorenses foram desvirtuados pelas leituras, em português, dos teóricos do socialismo. Daí, a censura.
No Brasil, sempre me perguntam como é que esse povo suporta tanta repressão. Digo que é a força moral que os mantém.
Os timorenses sabem que um terço da população adulta do país morreu em conflitos, nos últimos anos; que hoje não existe aldeia sem orfanato, porque é preciso recolher as crianças que ficaram sós no mundo; que não há nada para comer na ilha, além de arroz cozido em água e, quando muito, um pouco de mandioca e mamão verde; que as pessoas estão adoecendo de artrite, reumatismo, tuberculose, verminose, desnutrição aguda; que os enterros de crianças são a cruel rotina das comunidades. Como se não bastasse, o povo ainda sofre massacres, execuções e a permanente vigilância dos militares indonésios, em trajes civis. Eles vestem camisas de batik e pensam que enganam.
Pois os timorenses resistem a tudo e querem o seu líder de volta. Xanana é um mito na ilha. É a esperança da paz.
Uma doce recordação para mim?
Quando os timorenses cantavam músicas de Roberto Carlos e do Teixeirinha, ou quando falavam do futebol do Brasil. Que ironia! Eles nos consideram irmãos, e muitos de nós, brasileiros, não sabemos que esse povo existe."
(Irmã Vera vive hoje em São Paulo, trabalha numa comunidade rural e coordena o grupo "Clamor por Timor") - L.G.
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