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Quilombo dos Kalungas (Goiás)

Muita briga pela frente


Demarcação das terras quilombolas.
Até agora, são mais de quinhentas áreas em todo o país.


Paulo Lima


Um ano após as comemorações do tricentenário da morte do líder Zumbi dos Palmares, as organizações negras continuam exigindo do governo federal a emissão dos títulos de propriedade das terras dos remanescentes de quilombos. A pressão promete continuar ainda por muito tempo.

É essa também a ação principal que vem norteando o trabalho da Comissão Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas, criada em agosto deste ano, com representantes de quase metade dos Estados brasileiros.


Briga difícil – É assim que os remanescentes das comunidades quilombolas vêm se transformando em atores de peso da cena agrária nacional, ao lado de indígenas e sem-terra.

A questão não é fácil. É que as terras quilombolas são disputadas por grandes fazendeiros, madeireiros e mineradoras.

Um dos objetivos da comissão é estimular a troca de experiências entre comunidades negras envolvidas em conflitos com grileiros. Os exemplos mais conhecidos são os de Rio das Rãs (Bahia), Frechal (Maranhão) e Mimbó (Piauí). No caso das mais de vinte comunidades negras do Vale do Ribeira, em São Paulo, a briga é com o governo estadual, que têm projetos de construção de usinas hidrelétricas na área.

Um outro trabalho importante é o da conscientização. Muitas comunidades negras desconhecem o direito que lhes é garantido pela Constituição. O artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias assegura aos remanescentes de quilombos o reconhecimento da propriedade definitiva das terras que ocupam desde os tempos dos seus ancestrais.

Segundo levantamentos feitos em vários Estados por universidades e organizações negras, o número de comunidades quilombolas já passa de quinhentos.


Projetos encalhados – Incluído na Carta Magna por pressão do movimento negro organizado, o artigo 68, porém, é pouco explícito, e a sua aplicação esbarra em fortes interesses econômicos e políticos.

Desde abril de 1995, dois projetos de regulamentação desse artigo tramitam no Congresso Nacional. Ambos já receberam críticas e sugestões de emendas, apresentadas pelos militantes negros. Até agora, continuam encalhados, e não há qualquer previsão sobre quando serão votados.

Os projetos nasceram paralelamente no Senado e na Câmara dos Deputados. O primeiro, de autoria da senadora Benedita da Silva (PT/RJ), deixa a cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a responsabilidade pela regularização da situação fundiária das terras quilombolas. O segundo projeto, um trabalho em parceria dos deputados federais Alcides Modesto (PT/BA) e Domingos Dutra (PT/MA), prevê que a Fundação Palmares, do ministério da Cultura, coordene os trabalhos de reconhecimento dessas terras.


Primeira vitória – Desde 20 de novembro do ano passado, a comunidade negra de Boa Vista – uma das 21 existentes no norte do Pará – orgulha-se de ter arrancado do governo a primeira titulação coletiva com base no artigo constitucional.

"Começamos por Boa Vista porque tem a vantagem de estar em terras devolutas da União e por ser uma área menor em relação às outras", explica a antropóloga Lúcia Andrade, da Comissão Pró-Índio de São Paulo, que assessora a Associação dos Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná, onde está localizada Boa Vista.

A associação nasceu em 1989, um ano após a Campanha da Fraternidade sobre o negro, que ajudou as comunidades da região a despertarem para a luta em favor dos seus direitos, lembra Silvano Silva, um dos fundadores.

Segundo Lúcia, o problema agora é com a titulação das terras de mais sete comunidades, onde moram aproximadamente 3 mil pessoas, numa área de 90 mil hectares. "Tem muito grileiro e mineradora que se dizem donos das terras, e isso vem gerando um clima de tensão."


Texto extraído da Revista
SEM FRONTEIRAS
(N. 246 - nov. 96 - pág. 18)