(página 1) IV - Análise jurídica. Do procedimento adotado pela autoridade policial, chama a atenção o seguinte: IV.1 - Preliminarmente: A total arbitrariedade quanto à forma de abordagem e condução do sr. Overbeek pelos agentes da polícia federal àquela superintendência regional. Tal procedimento feriu frontalmente a constituição da República Federativa do Brasil, no que tange aos direitos e garantias fundamentais por ela assegurados desde 1988: "Art. 5.° Todos são iguais perante a lei (...) garantindo-se (...) aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito (...) à liberdade (...) nos termos seguintes: LXI - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente ..." Pela legislação infraconstitucional, aliás, o procedimento encontra-se previsto como "abuso de autoridade", configurado na Lei n.° 4.898, de 9 de dezembro de 1965: "Art. 3.° Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; (omissis) Art. 4.° Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; (omissis) h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; (omissis) Art. 6.°. O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal. (...)" IV.2 - Quanto ao Auto de Infração n.° 13/98: A autoridade policial não diz o que teria praticado o sr. Overbeek, qual teria sido a sua conduta que estaria a infringir a legislação. No lugar de descrevê-la, resume-se a reproduzir texto de dispositivo de lei em tese. Mesmo assim, acusa o sr. Overbeek de haver infringido o art. 107 do E.E. que proíbe ao estrangeiro envolvimento em "atividade de natureza política". Qual teria sido esta atividade de natureza política é o que não consta nos autos. Ora, mesmo assim, trata-se de grave acusação, a qual, pela forma da lei, dá causa não a pena de multa, mas de expulsão. Esta, por sua vez, é ato privativo do Presidente da República, mediante decreto, que só o decide após configurada sua conveniência em "Inquérito de Expulsão" instaurado por ordem do Ministro de Estado da Justiça, desde que devidamente instruído com sentença condenatória transitada em julgado. IV.3 - Quanto o Termo de Notificação: A redução do prazo com base no art. 21 do Decreto utilizado só cabe em caso de visto de turista, e não em caso de visto temporário, como o do sr. Overbeek. Por sua vez, o art. 26 da Lei 6.815/80, também utilizado como base para a redução do prazo, remete a duas situações que não cabem no caso: a - a ocorrência de situações objetivas previstas no art. 7.º da mesma Lei (ser menor de 18 anos; ser anteriormente expulso do país; ser condenado em outro país e passível de extradição; não satisfazer requisitos do Ministério da Saúde), e b – a verificação de critérios de natureza política (ser " considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais" – art. 7.º, inc. II; e " a inconveniência de sua presença no Território Nacional, a critério do Ministério da Justiça" – art. 26, caput). O caso do Sr. Overbeek não se enquadra nem na primeira ordem de situações, nem na segunda, dado que o Ministério da Justiça já havia, pelo contrário, aceito a prorrogação de seu visto para até novembro de 1999, e se o fêz é porque, como é óbvio, considerou conveniente a sua presença no território nacional, dados os benefícios advindos de sua missão sócio - cultural na área indígena. . Por fim, sua estada no país é, ao contrário do que diz o Termo de Notificação, inteiramente regular, conforme prorrogação publicada no DOU. IV.4 - Dos atos internacionais violados: Ademais, são violados também com a atitude da autoridade policial, os seguintes atos internacionais: Convenção Americana Para Previnir e Punir a Tortura; Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Convenção 107 da OIT. V - Do não cabimento de autorização da Funai para ingresso na área indígena. Extra - autos, teriam surgido comentários de funcionários ligados ao Departamento de Polícia Federal, no sentido de que outra infração cometida pelo Sr. Overbeek teria sido a falta de pedido de autorização à Funai para ingresso na área indígena. De fato, nenhuma solicitação neste sentido foi realmente efetuada, e por um motivo simples: não ter o poder de polícia delegado à Funai, este tipo de atribuição. Ademais, a pretensão fere o próprio instituto constitucional da autonomia das comunidades indígenas, expresso no caput do art. 231 quando diz: " são reconhecidos aos índios sua organização social, ..." . Ou seja, cabe única e exclusivamente aos índios, através de suas formas próprias de organização social, o direito de autorizar ou não o ingresso de quem quer que seja em suas terras, para o desenvolvimento de atividades junto a suas comunidades. E o Sr. Overbeek, tanto pela natureza das atividades desenvolvidas ( de sintonia afinada com a comunidade), quanto por atendimento ao princípio norteador da ação do Cimi (de respeito à organização social indígena), já possuía desde o início tal autorização. Além do mais, o seu visto fora concedido e prorrogado pelas autoridades brasileiras exatamente para o desenvolvimento de atividades sócio - culturais na área indígena, e, de parte da Fundação Nacional do Índio, a sua colaboração era reconhecida, tanto que fazia parte da sub-comissão de atividades produtivas do NISI – Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena, conforme previsto pelos Decretos. 1.141/94 e 1479/95. VI - Providências de âmbito jurídico adotadas, e seus resultados. Contra tais ilegalidades, foram adotadas as providências: VI.1 - Advogados contactados pelo Cimi assumiram o patrocínio da causa através da adoção das seguintes medidas: a) Defesa administrativa junto à Superintendência Regional de Polícia Federal. Apresentada na Segunda-feira, 23 de março, 03 dias antes do prazo. Nela pedem os advogados: a.1 - Liminarmente, a suspensão do prazo dado para a saída do Sr. Overbeek do território nacional e para o pagamento da multa imposta, até a apreciação final do recurso administrativo oferecido pelos seus advogados. (De acordo com os prazos dados pela autoridade policial, o Sr. Overbeek teria de deixar o país antes mesmo de que a sua defesa pudesse ser apreciada); ou a.2 - A imediata anulação do Auto de Infração e do Termo de Notificação, com o acolhimento do mérito apresentado pela defesa do Sr. Overbeek. Resultado: Na Sexta-feira dia 27 de março, a Autoridade Policial autora do ato contra o qual foi apresentada a defesa, decidiu pela anulação do Auto de Infração e do Termo de notificação, mandando restabelecer o prazo de permanência do Sr. Overbeek e proceder-se à anotação necessária em seu passaporte. b) Defesa Judicial através da impetração de Ordem de Habeas Corpus Preventivo. Trata-se de "remédio heróico" previsto pela Constituição Federal, art. 5.°, inc. LXVIII, nos termos seguintes: "Conceder- se - há habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". Impetrado em 24 de março pelos advogados Gilberto Álvares dos Santos (ES), Rosane Freire Lacerda (DF), Michael Mary Nollan (SP) e Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), o HC foi distribuído para a 3.° Vara da Seção Judiciária Federal no Espírito Santo, sendo submetido à apreciação da Juíza Federal Substituta em exercício, Dra. Maria Cláudia de Garcia Paula. Em 25 de março, data limite para o Sr. Overbeek deixar o país, a Polícia Federal prestou informações à Juíza, reconhecendo razão aos argumentos dos seus advogados. Eis os trechos mais importantes destas " informações" : " (...) d) que, o auto de infração pertinente foi objeto de recurso e, portanto encontra-se suspensa à aplicação da diminuição do prazo de estada do paciente em território nacional, prevista no termo de notificação anexado aos autos; e) que, de fato, o auto de infração e o termo de notificação elaborados pelo Chefe do Núcleo de Estrangeiros da Polícia Federal encontram-se eivados de vícios formais passíveis de correção quando da apreciação do aludido recurso apresentado; f) que, os referidos auto de infração e termo de notificação serão anulados, eis que, após investigações preliminares, os agentes da Polícia Federal obtiveram provas de que o paciente encontra-se envolvido com o Movimento dos Sem Terra – MST e com a questão das terras indígenas, orientando a resistência e insuflando os índios a não acatarem a decisão do governo federal." Resultado: Após a sua apreciação, acolheu a Juíza a tese sustentada pelos advogados do Sr. Overbeek, tanto na preliminar de inconstitucionalidade da forma como foi detido para esclarecimentos, quanto no mérito da "expulsão" a que foi submetido. Decidiu então a Meritíssima Juíza pela concessão Liminar da ordem de Habeas Corpus e da expedição imediata do SALVO CONDUTO, nos seguintes termos: "DEFIRO LIMINARMENTE A ORDEM, para determinar à autoridade impetrada que proceda à anulação do Auto de Infração e Notificação n.º 13/98 e do Termo de Notificação pertinentes, restabelecendo o direito do paciente de permanecer em território Nacional até o término do prazo concedido no processo n.º 8286-001236/97-02, publicado no D.O.U. de 21/01/98, seção I, p.7, ou seja, dia 20/11/99, mantendo-se o status quo ante." Dada esta decisão judicial, o Sr. Overbeek pode então continuar em território nacional. VI.2 - Por intermédio da organização não–governamental de âmbito internacional denominada CEJIL – Centro Pela Justiça e o Direito Internacional, no Brasil, o Cimi interpôs perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA – Organização dos Estados Americanos, uma Medida Cautelar , onde requer, além de medidas destinadas a restaurar a liberdade dos indígenas na área Tupinikim, " b) a imediata suspensão da decisão do delegado da Polícia Federal (...), por violar os artigos 7 (liberdade pessoal), 13 (liberdade de pensamento e de expressão), 16 (liberdade de associação) e 22 ( direito de circulação e de residência), junto ao artigo 1.1 da Convenção Americana." A Medida Cautelar foi enviada para Washington, D.C., na Segunda-feira 23 de março, onde foi protocolada. Segundo informa o CEJIL/Brasil, a Comissão Interamericana já solicitou informações ao governo brasileiro sobre a situação objeto da denúncia, e este dispõe de prazo de 20 dias para prestar as referidas informações. 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