Nestes seus 25 anos, de intransigente compromisso com a causa dos Povos Indígenas, muitos deles ante o arbítrio da ditadura militar, pensava o Cimi já ter visto toda sorte de violências contra os mesmos. Ledo engano. No dia 18 de março o governo brasileiro desencadeou uma operação militar para por fim a luta dos índios Tupinikim e Guarani pela recuperação de suas terras e obrigá-los a aceitarem as imposições da multinacional Aracruz Celulose. As estradas que dão acesso às aldeias indígenas foram ocupadas por policiais federais fortemente armados para impedir que os índios continuassem a receber apoio e solidariedade no trabalho de autodemarcação de suas terras; dirigentes sindicais ligados à CUT (Central Única dos Trabalhadores) foram detidos, interrogados e tratados como criminosos, por terem prestado solidariedade aos índios; representantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foram retirados à força da aldeia de Pau Brasil durante a madrugada e transportados em veículos cedidos pela empresa; e o missionário do Cimi, Winfridus Overbeek, foi arbitrariamente detido pela Polícia Federal e ameaçado de ser expulso do país. Ao mesmo tempo, durante o período de negociações em Brasília, as lideranças indígenas da Comissão Tupinikim e Guarani foram mantidas em isolamento e pressionadas para submeterem-se à decisão do Governo Federal pela redução de suas terras de ocupação tradicional (portarias nšs 193 e 195/98 do então ministro da Justiça Íris Resende), conforme conveniências da Aracruz Celulose. Esta conduta, digna do Regime de Exceção, com a qual o governo tratou a luta dos Tupinikim e Guarani por seus direitos, e que teve por objetivo intimidar e fazê-los desistir da demarcação integral de suas terras, foi coroada com desfecho tão ou mais espúrio. No dia 02 do corrente os índios assinaram acordo denominado "Termo de Ajustamento de Conduta", com validade de 20 anos. No Termo, assinado também pelo presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), por representantes da Aracruz Celulose e por representantes do Ministério Público Federal (que tem por dever constitucional a defesa dos direitos e interesses indígenas), os índios "consentem", em trocar os limites de suas terras tradicionalmente ocupadas por soma em dinheiro e projetos assistenciais a serem fornecidos pela Aracruz Celulose. A presença dos policiais federais foi mantida até o dia 08 de abril para garantir que o acordo assinado em Brasília fosse acatado pelas comunidades indígenas. Por força da Portaria nš 268/98 do presidente da Funai, Sullivan Silvestre de Oliveira, os índios encontram-se ainda proibidos de receber em suas próprias terras os aliados na sua causa, entidades da sociedade civil que há anos vêm lhes prestando todo apoio e solidariedade. Diante da gravidade da situação exposta, o Cimi vem manifestar que: 1) considera o "acordo" ESCANDALOSO e IMORAL, tanto porque obtido mediante expedientes que ferem frontalmente os direitos e liberdades fundamentais garantidos na Constituição Federal vigente a quaisquer indivíduos - inclusive aos indígenas -, quanto porque extremamente lesivo aos direitos e interesses das comunidades indígenas mencionadas, e à sua integridade física e sócio-cultural e flagrantemente INCONSTITUCIONAL, por violar o art. 231, § 4š da mesma Constituição, pela qual as terras indígenas são "INALIENÁVEIS" e "INDISPONÍVEIS", e portanto INEGOCIÁVEIS. 2) repudia veementemente o papel do presidente da Funai em todo o episódio, pois quem tem a incumbência legal de proteger e fazer respeitar os direitos indígenas, nunca poderia ter assumido uma postura pretensamente imparcial diante do caso, e muito menos ter participado das pressões sobre aqueles cujos direitos deveria defender; 3) denuncia a política antiindígena do Governo Federal, que prefere golpear a Constituição nos sagrados direitos que reconhece a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, a contrariar os interesses de uma empresa multinacional invasora destas mesmas terras; 4) clama, a bem do interesse público e do Estado Democrático e de Direito, pela imediata revogação das portarias nšs 253 e 268/98 que interditam as terras indígenas Tupinikim e Guarani, no Espírito Santo; 5) enaltece os gestos de solidariedade que os índios e seus aliados receberam de tantas partes do país e do exterior, em especial da sociedade capixaba que sempre se posicionou a favor dos índios. Vale destacar que o apoio e a solidariedade do MST, da CUT e do Partido dos Trabalhadores, de entidades de direitos humanos, Igrejas e demais organizações democrático-populares do estado do Espírito Santo, conferiram especial importância a autodemarcação promovida pelos Tupinikim e Guarani. E repudiamos o uso da legislação para impedir o direito inalienável a solidariedade. 6) expressa, por fim, toda a sua solidariedade às comunidades Tupinikim e Guarani vítimas de tamanha opressão e reafirma o seu intransigente compromisso de apoiá-las nas suas lutas pela real solução do problema, ou seja, a demarcação da área unificada de 13.579 hectares, direito inalienável e imprescritível que acordo nenhum poderá fazer sucumbir. Brasília-DF, 15 de abril de 1998. Cimi - Conselho Indigenista Missionário
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