CIMI - Conselho Indigenista Missionario
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Carta ao Ministro da Justiça


Brasília-DF, 16 de abril de 1998.

Ao
Exmo. Sr.
Renan Calheiros
MD Ministro de Estado da Justiça

	Senhor Ministro,

A política indigenista do Governo Federal vem tornando, cada vez mais,
frustradas e abandonadas as nossas comunidades. Se, no início do atual
governo havia muitos discursos, promessas e poucas ações práticas, agora
não há mais nem promessas nem ações. É como se os povos indígenas não
existissem.

Na realidade, só passamos a ser motivo de preocupação do Estado quando,
irritados com tanto abandono, realizamos ações de impacto como retomadas e
autodemarcações. Nesse momento, o governo reconhece a nossa existência, mas
apenas para nos reprimir e controlar. O que ocorreu recentemente no
Espírito Santo, na autodemarcação dos Tupinikim e Guarani em suas terras
invadidas pela empresa Aracruz Celulose mostra bem isso. As intervenções da
Funai, como nesse caso, são sempre para impedir nossas ações, sempre contra
nossos direitos constitucionais, para favorecer os invasores de nossas
terras. Essa linha de atuação é o que caracteriza, há muito tempo, a
política indigenista oficial.

A edição do Decreto 1775, no dia 8 de janeiro de 1996, veio definir essa
política: reduziu terras indígenas, paralisou as demarcações, criou novas
demandas judiciais, deu força para todos os invasores e os que desejavam
invadir as terras indígenas, criou uma confusão jurídica que até hoje só
vem agredir nossos direitos, dificultando ainda mais a regularização das
nossas terras. Com esse Decreto, ficou mais distante o Estado cumprir com o
seu dever constitucional de demarcar todos os territórios indígenas.

Como conseqüência, a violência contra índios e comunidades indígenas
aumentou assustadoramente. Durante o primeiro ano da vigência do Decreto
1775/96 foram identificadas 18 novas invasões em áreas indígenas, acirrando
os conflitos que geralmente resultam em agressões físicas e assassinatos de
líderes indígenas. Muitos parentes nossos continuam sendo assassinados (40
no governo Fernando Henrique Cardoso), sem que haja punição para os
assassinos. Ainda continuam impunes os responsáveis pelo massacre dos 14
índios Ticuna (março/88), do líder Marçal de Souza Tupã-y (novembro/83) e
tantos outros. Quando a justiça age é para amenizar a culpa dos
responsáveis, como ocorreu com os assassinos do nosso parente Pataxó
Hã-Hã-Hãe, Galdino Jesus dos Santos.

Somado a este golpe contra nossos direitos, vieram os cortes no Orçamento
Federal. A cada ano, os recursos governamentais para atender as comunidades
indígenas, são reduzidos violentamente. Só no ano de 1998, o corte de
recursos para a demarcação das terras foi da ordem de 78% em relação ao ano
anterior.

Esta situação de absoluto desprezo pelos povos indígenas, por parte do
Governo Federal, tem deixado nossas comunidades com uma única alternativa:
realizar ações coletivas em defesa dos nossos direitos. Para realizar essas
ações, contamos com a solidariedade do povo brasileiro, dos movimentos
populares, entidades e Igrejas que nos apoiam e são nossos aliados.

O que faz a Funai nesse momento? Edita "portarias de interdição",
proibindo a entrada, nas nossas áreas, de pessoas que são nossas aliadas,
em quem confiamos e que vêm para nos ajudar em tudo aquilo que o governo
não contribui conosco. O mesmo rigor, via de regra, não é usado para coibir
a entrada de invasores dos territórios indígenas como os posseiros,
madeireiros, garimpeiros...

O que significa tudo isso? Essa é uma política de "cerco e aniquilamento",
como dizem os militares? Querem nos enfraquecer, cortar nossos laços com
nossos aliados para entregar nossas terras e as riquezas nelas existentes
para nossos inimigos?

Neste momento em que V. Excia. assume o Ministério da Justiça, vimos à sua
presença reivindicar:

1. revogação do Decreto 1775/96;

2. revogação das portarias nšs 253/98 e 268/98;

3. ampliação de recursos no Orçamento da União para demarcação de terras e
assistência aos povos indígenas;

4. empenho da bancada do governo no Congresso Nacional pela aprovação do PL
2.057/91 (Estatuto das Sociedades Indígenas);

5. Acompanhamento pelo Ministério da Justiça dos casos de violências
cometidas contra índios e comunidades indígenas, exigindo apuração e
punição dos culpados.


José Orias 
CAPOIB (Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do
Brasil)

André Cruz
COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira)

Dourado Ricardo
APOINME (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e
Espírito Santo)

Anastácio Peralta 
Aty Guassu

Sérgio Muti 
Povo Tembé - PA

Valdemar Kaapor 
Povo Kaapor - MA

Cícero Celestino
Povo Xukuru-Kariri - AL

Gabriel Xerente
Povo Xerente - TO







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